ILPF
PRODUTORES INVESTEM NO PLANTIO DE ESPÉCIES NATIVAS NA INTEGRAÇÃO ENTRE LAVOURA, PECUÁRIA E FLORESTA
por CLEYTON VILARINO ilustração PAULO FERRARI
2023-04-29T07:00:00.0000000Z
2023-04-29T07:00:00.0000000Z
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AGROPECUÁR∣A | ILPF
AOS 67 ANOS, ALDERICO ANICETO FERREIRA diz que nunca viu uma macaúba morrer, mas desde 2018 tem se dedicado a acompanhar e cuidar do desenvolvimento de mais de 300 mudas plantadas em 32 dos seus 50 hectares de terra em Patos de Minas (MG). A palmeira nativa do cerrado que habita as memórias de tardes de pescaria no município vizinho de Presidente Olegário, onde cresceu, hoje é um negócio com uma perspectiva de retorno de pelo menos R$ 52 mil ao ano. “A intenção minha ao plantar não foi pensando em mim mesmo, mas no futuro, em quem vem pela frente, porque todo ano dá colheita”, explica o produtor. O termo “aposentadoria” não é à toa, dado que a produtividade máxima da palmeira só costuma ocorrer após cinco anos de plantio. Com uma produção que pode chegar a 6 mil litros de óleo por hectare, a espécie tem sido a principal aposta da indústria de óleos vegetais para atender a uma demanda crescente, impulsionada sobretudo pela indústria de biocombustíveis, e que hoje é atendida no Brasil majoritariamente com o uso do derivado da soja. “O mercado mundial de óleos vegetais gira em torno de 200 mil toneladas ao ano e cresce entre 3% e 6% ao ano. Se a gente considerar que esse consumo adicional precisa ser atendido com novas áreas de soja, seriam necessários 24 milhões de hectares ao ano, o equivalente a um território um pouco maior que o Estado de São Paulo”, calcula o diretor executivo da Inocas, Johannes Zimpel. A empresa, que mantém contratos de parceria e arrendamento com 71 agricultores familiares de Patos de Minas (incluindo Alderico), já promoveu o plantio de 2.300 hectares de macaúba em sistema ILPF na região e se prepara para iniciar a produção em uma área de 5 mil hectares em plena Amazônia, no Pará. O objetivo, segundo Johannes, é tornar-se referência no setor e ajudar a alavancar uma cadeia que está em suas fases iniciais de desenvolvimento. “Não estamos visando a um monopólio, ser o mais forte. A gente sabe que a demanda global só pode ser atendida se muitas outras pessoas, iniciativas e fazendas aderirem a essa ideia e plantarem por conta própria”, conta o empresário, que tem na integração lavoura-pecuária-floresta um dos pilares estratégicos de seu negócio. É a partir dela que a cultura consegue, por exemplo, um sequestro de cerca de 20 toneladas de carbono por hectare ao ano, oferecido como garantia e até mesmo pagamento de parte de seus financiadores – numa espécie de venda antecipada de crédito de carbono. Além do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), do qual o projeto recebeu ao todo US$ 4 milhões, também estão na lista de financiadores Fundo Vale, Amazon Biodiversity Fund (ABF), Amaz e Impact Earth – este último responsável pelo financiamento do plantio de macaúba em ILPF na Amazônia. “Nesse caso, o carbono é a garantia do investimento. Então podemos devolver o recurso como quiser, inclusive com a receita da venda de óleo e da ração produzida, mas demos o carbono em garantia, o que tira o risco desse investidor. Então o carbono é muito importante nesse negócio”, detalha Johannes. De acordo com o economista sênior do WRI Brasil, Paulo Camuri, o mercado de carbono pode ser decisivo para a promoção do componente arbóreo em sistemas integrados – o que faz do projeto da Inocas uma exceção num universo já pequeno. Hoje está presente em apenas 20% dos 17,5 milhões de hectares de ILPF implantados no país, que são predominantemente ocupados por espécies exóticas e de rápido crescimento, como o pínus e o eucalipto. “A gente entende que, à medida que esse mercado de carbono vá sendo estruturado, essa vantagem de fixação de carbono no sistema integrado deve fechar melhor a equação e vai viabilizar muitos empreendimentos que não seriam viáveis sem considerar o carbono”, pontua Camuri. Se tivesse recorrido a linhas de crédito convencionais, a Inocas dificilmente teria seu financiamento aprovado, posto que, assim como outras espécies arbóreas nativas, a macaúba não possui nenhuma cultivar comercial, zoneamento agrícola ou sistema de produção registrado. “O que temos é o que está na natureza, e usamos nas modelagens financeiras e expectativas econômicas a média da natureza. Então ainda não há melhoramento genético, mas o que a gente já faz é uma seleção genética”, explica Johannes ao reconhecer os desafios inerentes ao trabalho com árvores nativas. É assim também com o baru, com o pequi, com a araucária e com uma série de outras espécies em estudo para se tornarem alternativas às espécies exóticas no sistema ILPF. No campus de Uberlândia do Instituto Federal do Triangulo Mineiro (IFTM), o professor Luis Augusto da Silva Domingues estuda, desde 2015, quando criou o Centro de Estudo e Pesquisa em Sistema Agrossilvipastoril (ILPF), o desenvolvimento de espécies nativas e exóticas integradas com lavoura e pastagem. Entre as avaliações estão os efeitos do sombreamento sobre o desenvolvimento da lavoura, a fertilidade do solo, a taxa de respiração microbiana e o desenvolvimento radicular de espécies nativas como o ipê-amarelo, o mogno-brasileiro, o baru e o pequi. “O objetivo da criação do centro de estudos e pesquisa foi conhecer alternativas ao eucalipto no ILPF. Hoje sabemos que mais de 90% das áreas de ILPF são com eucalipto pelas características que ele tem: crescimento rápido, comercialização da madeira, rebrota. Mas aqui buscamos conhecer e avaliar o desenvolvimento de outras espécies cujo objetivo não seja só a extração de madeira”, conta o pesquisador. Próximo à comunidade de Sobradinho, onde estão cerca de 150 produtores rurais, ele vê o centro como uma forma de fomentar a ILPF na região. Com 5 hectares, o Centro de Estudos é mantido quase que exclusivamente por alunos do ensino médio e superior do campus que reúnem dados sobre diferentes espécies, incluindo testes com açaí. Dentre os mais promissores, o professor cita o baru. “Ele apresentou uma melhor uniformidade de desenvolvimento que a gente avalia para ver período de soltura do gado. No terceiro ano a gente já teve produção de frutos, apesar de ser em baixa quantidade, e já foi possível a soltura dos animais”, explica Domingues. A espécie, cujo fruto abriga uma semente comestível avaliada em até R$ 150 por quilo, chamada popularmente de castanha de baru, é velha conhecida do setor madeireiro como cumaru – nome da madeira nobre à qual dá origem, mas cujo corte pode levar mais de 30 anos para ser realizado. A valorização de suas sementes, contudo, tem mudado esse cenário. “Quando a gente adiciona frutíferas ao sistema, é extremamente importante, porque a fruta tem um valor agregado muito maior, e isso favorece a geração de renda”, explica a professora do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Uberlândia, Adriane de Andrade Silva. Em Brasília, a Embrapa Cerrados também se debruça sobre o desenvolvimento do baru em ILPF e incluiu em seus estudos análises com o pequi – espécie que acaba de ter suas primeiras cultivares registradas. “Isso só foi possível (lançar as primeiros cultivares de pequi) porque já se dominava a técnica de multiplicação vegetativa, principalmente de enxertia, bem estabelecidas para o pequi, o que não se tem ainda para o baru”, ressalta o pesquisador da unidade Fernando Rocha. A pesquisadora Elenice Moura Gonçalves, também da Embrapa Cerrados, tem trabalhado para reduzir esse atraso do baru em relação ao pequi. Ela desenvolve um sistema de nutrição das plantas e diz que o próximo passo será o processo de clonagem das mudas mais produtivas, dando maior uniformidade ao plantio. “É uma planta em processo de melhoramento genético e domesticação” resume. No Paraná, o pesquisador da Embrapa Florestas Wanderley Porfírio avalia a integração entre lavoura, pastagem e uma velha conhecida da região: a araucária. A árvore, que é considerada ameaçada de extinção e está presente desde a bandeira do Estado até as construções históricas, que exibem a qualidade e a durabilidade de sua madeira, tem 26 indivíduos diferentes plantados há 12 anos na Embrapa para estudo do seu comportamento em sistemas integrados. Embora a espécie já possua um pacote tecnológico mais consolidado, com cultivares certificadas desenvolvidas a partir de técnicas de enxertia, quando o assunto é ILPF, o trabalho está apenas começando. “Temos árvores de diâmetros e tamanhos diferentes, mas estamos muito satisfeitos, porque estamos indo para 13 anos e elas já estão com um diâmetro razoável, crescendo na casa dos 2,5 centímetros de diâmetro por ano – o que é considerado muito bom para uma espécie nativa”, pondera o pesquisador. A situação é a mesma no campus Uberaba do IFTM, onde os pesquisadores Daniel Pena Pereira e Dawson José pesquisam o uso da macaúba em sistemas in tegrados para produção de biocombustíveis. Ao todo, foram plantadas 1.098 mudas em diferentes arranjos (com pastagem, com lavoura e em monocultura) e, embora não tenha havido impacto na produtividade pecuária, a diversidade genética do plantio é visível. Quase oito anos depois do plantio, das mais de mil, apenas 200 mostraram potencial produtivo. “Não é um resultado muito gratificante e, se formos passar esse mesmo pacote tecnológico para o produtor, ele não vai gostar do resultado. Ainda estamos engatinhando na pesquisa. Quando a gente olha no meio natural, vemos muitas árvores bonitas, com uma produção grande, muitos cachos e frutos grandes, isso é reflexo de uma seleção genética natural”, explica o pesquisador ao comparar a macaúba ao eucalipto, cujo plantio de clones permite um desenvolvimento uniforme da área. “Hoje o eucalipto avança comercialmente devido à melhoria genética alcançada por meio do cruzamento de espécies e da clonagem. São plantas homogêneas, com produção, adaptação ao clima, resistência a doenças, etc. E com a macaúba a ideia é chegar a esse ponto”, ressalta Daniel. Os objetivos são os mesmos da Embrapa Florestas com a araucária, cuja floração das diferentes genéticas plantadas deve permitir realizar cruzamentos com fins de seleção e melhoramento. “Ainda não chegamos a esse ponto, mas as condições para isso já existem. As araucárias começaram a florescer no ano passado, e está posta a possibilidade de fazer hibridação”, revela Porfírio. A dificuldade de obter mudas de boa qualidade, com crescimento uniforme e previsibilidade para o início da produção, está entre as principais dificuldades para a disseminação do uso de espécies nativas entre produtores adeptos de ILPF. Sem um pacote tecnológico estabelecido, etapas importantes para o início do plantio, como a análise de viabilidade econômica, ficam comprometidas, o que dificulta a sua recomendação técnica. É diferente do eucalipto e de outras espécies exóticas que passaram por anos de pesquisa e desenvolvimento a fim de alcançarem níveis de produtividade já reconhecidos. Introduzida no país ainda na década de 1960, para atender à demanda das indústrias de papel, celulose e siderurgia, a árvore nativa da Austrália recebeu benefícios fiscais e amplo investimento privado em melhoramento genético e no desenvolvimento de sistemas produtivos adaptados às diferentes regiões do país – algo que não tem ocorrido com as espécies brasileiras. “Espécies nativas ou que não têm esse interesse econômico tão grande não tiveram esse aporte financeiro. A gente contou muito com o financiamento público, que é um financiamento mais de curto prazo, com projetos de três a quatro anos, sendo que são espécies que têm crescimento muito mais lento e cujas respostas são mais difíceis de serem alcançadas”, explica o pesquisador da Embrapa Gado de Leite Marcelo Müller. Com ampla experiência com pequenos produtores, que predominam na pecuária de leite, ele explica que a crescente possibilidade de uso de espécies nativas assistidas no país é também uma ferramenta importante para promover a adoção do componente florestal em atividades em que o componente madeireiro tem pouca ou nenhuma atratividade, contribuindo para virar mais uma página na história da ILPF no Brasil.
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