Revista Globo Rural

VISÃO AMBIENTAL

Engenheiro civil por formação e colono por opção, conforme ele mesmo se define, Edgar Luiz Fedrizzi Filho, de 64 anos, é sujeito de boa prosa e que fala com paixão de suas ações na pecuária, honrando o legado do pai, que lhe emprestou o nome e a prática de respeitar a natureza.

“Nossa família é pioneira em Caxias do Sul (RS), e meu pai, ainda muito jovem, foi tropeiro, tornando-se pecuarista em 1962 e chegando ao Paraná em 1968, trazendo com ele os ensinamentos do meu avô, Alfredo, que trabalhava em fábrica de papel e sabia que árvore sempre é melhor plantar do que derrubar. Foi naquela época que ele comprou a fazenda que chamamos de Gaúcha, no município de Cascavel”, relata Fedrizzi Filho.

Dos 680 hectares da fazenda, 32% estão cobertos de matas. É mais que os 20% determinados pela legislação para a região oeste do Paraná. As nascentes estão vedadas e preservadas, a propriedade produz mais energia elétrica do que precisa, utilizando placas fotovoltaicas, e o pasto é tratado como lavoura, buscando fixar carbono no solo. O gado, em sistema de cria, é cruzamento de tapabuã com angus, buscando precocidade, ou seja, menos tempo no pasto.

Teve ocasião em que Fedrizzi Filho resolveu utilizar uma área onde plantavam grãos para fazer um reflorestamento com araucárias, árvores que simbolizam o estado do Paraná, e alguns vizinhos ficaram incrédulos, perguntando o porquê, se ele próprio, provavelmente, não chegaria a comer os pinhões ali produzidos. Com tranquilidade, respondeu que não estaria comendo pinhões agora se os seus antepassados não tivessem plantado anos atrás. E seguiu.

Mas, mesmo com diversas boas práticas, volta e meia pai e filho se aborreciam com comentários e estatísticas condenando a pecuária como atividade emissora de gás carbônico para a atmosfera. “Quando começou a história do arroto do boi, meu pai ficou bravo. E eu, pensativo”, conta Fedrizzi Filho. O pai dele morreu em 2021, aos 88 anos. O pecuarista passou a pensar em como poderia provar que a sua atividade era ambientalmente correta, retirando mais carbono da atmosfera do que emitindo. Encontrou a resposta com o pessoal da Corteva Agriscience, que havia lançado a Plataforma-S, com ferramentas referendadas por instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para medir a pegada de carbono de uma propriedade rural. Era o que ele precisava.

Passou uma semana inteira respondendo questionários, detalhando absolutamente tudo o que usava para criar o gado, cada litro de óleo consumido pelos tratores, cada insumo aplicado nas pastagens. Os técnicos utilizaram ainda outras ferramentas, como observações por satélite, e, ao final, concluíram: a Fazenda Gaúcha sequestra mais gás carbônico (CO ) do que emite, gerando um saldo positivo de 260 toneladas por ano.

Edgar logo impôs metas ambiciosas, buscando aumentar esse número em 20% ao ano. E alguns colegas passaram a perguntar quanto ele estava ganhando com isso. “Na verdade, até o momento ninguém nos remunera, mas com boas práticas, geramos um microclima mais favorável na fazenda, somos mais eficientes em nossa missão, que é produzir alimentos, e o programa da Corteva também tem um lado social.”

Ele conta que juntos os maiores produtores auxiliam vizinhos pequenos em dificuldades e já construíram uma escola municipal rural da região, que ganhou poço artesiano, sistema fotovoltaico e duas estufas para a produção de mudas nativas e frutíferas. “Quanto ao dinheiro, creio que a visão ambiental de todos está se tornando mais profunda, e o mercado vai reconhecer isso”, comenta.

aos setores de petróleo e gás, que deve aumentar devido ao fato de a COP 28 (Conferência Mundial do Clima) ser realizada em novembro deste ano em Dubai. Segundo ele, a regulamentação ajudará muito a dar liquidez a esse mercado, “pois ainda vivemos em um mercado voluntário”.

Embora “silencioso”, o mercado de créditos de carbono já chamou a atenção do governo brasileiro. No final de fevereiro, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, se reuniu com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para tratar de pautas da autoridade monetária no Congresso e definir prioridades.

Uma delas foi justamente o mercado de carbono. "Tratamos dos projetos de lei que o BC teve iniciativa de encaminhar, entre eles o marco regulatório para o crédito de carbono, que é um tema muito importante para a economia, para a questão ambiental e para relações exteriores. É um projeto que já está no Congresso e consideramos prioritário", destaca o ministro Padilha.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já tinha manifestado seu interesse nesse mercado quando da realização do leilão de Dubai. O banco lembrou que já realizou dois editais de Chamada para Aquisição de Créditos de Carbono no Mercado Voluntário no ano passado. O primeiro, em maio, foi uma operação-piloto no valor de até R$ 10 milhões. O segundo, no final de agosto, de R$ 100 milhões. A primeira chamada teve uma demanda de projetos de R$ 20 milhões. Na segunda, atingiu R$ 500 milhões.

Especialistas do setor observam que o Brasil tem um protagonismo global relevante em carbono, e por vários fatores. A matriz energética com base dominante em fontes renováveis e verdes hoje também tem grande potencial de ampliação, sobretudo a hidráulica, as biomassas, a eólica e a solar. “Mas o grande diferencial está nas áreas florestais e no design produtivo no setor agro brasileiro”, diz Edsmar Resende.

Entre as práticas presentes e em ascensão estão o plantio direto, a fixação biológica de nitrogênio, o emprego de bioinsumos e a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF). “Novos produtos e soluções para esse universo serão demandados no agro, e essa é uma oportunidade para toda a cadeia”, prevê o executivo. Para aqueles que pensam em entrar nesse mercado, Resende observa que “a concepção de projetos, hoje, necessita de uma série de parceiros que dominem os processos. “O volume individual sendo pequeno também não despertaria tanto interesse de compradores”, diz. Associar-se em grupos ou com grupos que possam fazer maior volume de créditos fará mais sentido nesse momento, sugere.

A parceria entre a MyCarbon e a Agrivalle é um bom exemplo. A MyCarbon entra com a expertise em projetos de carbono, sendo também uma compradora de ativos gerados e financiadora do projeto de carbono para os agricultores. A Agrivalle integra soluções biotecnológicas com foco em reduzir emissões de gases de efeito estufa. O manejo adequado do solo permite a fixação de carbono na terra e o seu maior equilíbrio.

O valor global dos créditos de carbono produzidos e vendidos no mercado visando a metas de descarbonização pode atingir US$ 1 trilhão em 2037. A conclusão é de um relatório da BloombergNEF. Atualmente, esse ambiente, conhecido como mercado voluntário de carbo

“Os maiores bens de um agricultor são a água e o solo, por isso a gente se preocupa com os rios”

CASSIO KOSSATZ,

produtor em Ponta Grossa (PR)

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