Revista Globo Rural

Ordenha robotizada

PRODUTOR AUTOMATIZA A CAPTAÇÃO DE LEITE DE 130 VACAS E CONSEGUE RESULTADO TRANSFORMADOR

Por ELIANE SILVA fotos MARCELO CURIA

NA ENTRADA DA FAZENDA TAMBO NOLIO, localizada no município de Paraí (RS), a 217 quilômetros de Porto Alegre, uma placa saúda os visitantes: “Bem-vindo ao futuro”. Na propriedade de 12 hectares, a atividade principal é a criação de vacas da raça holandesa, que são ordenhadas por dois robôs.

“Não vejo outra alternativa ao produtor para se manter e crescer na atividade leiteira se não for a automação. A robótica veio para resolver a falta de mão de obra no campo, garantir bem-estar ao animal e ao produtor, além de auxiliar na sucessão familiar”, diz Ezequiel Nolio, de 40 anos, que nasceu e se criou na fazenda leiteira gaúcha.

Ele conta que os pais, Pedro e Sueli, iniciaram na atividade com duas vacas. O leite era para consumo da família, mas eles passaram a vender o excedente. O crescimento dos três filhos aumentou a mão de obra familiar, e o número de vacas foi crescendo. O ponto da virada veio em 2013, quando as irmãs de Ezequiel deixaram a propriedade para trabalhar na cidade e havia 65 vacas para ordenhar.

“Era hora de decidir: se virar para contratar mão de obra ou automatizar. Meus pais falaram dos robôs que conheceram em viagem à Europa. Procurei no Google e descobri duas empresas que vendiam o equipamento no Brasil, a DeLaval e a Lely. Fiz orçamento e avaliação com as duas, comprei o primeiro robô de ordenha do Rio Grande do Sul e instalei em 2014.”

Nolio lembra que ele e os técnicos da Lely passaram três dias e três noites “ensinando” as vacas alojadas no sistema de confinamento free stall a procurar o robô para serem ordenhadas. Os animais que não se adaptaram ou que tinham produção baixa foram descartados.

O estímulo para o animal buscar o equipamento é o acesso ao concentrado (uma ração com menos fibra, que é “mais gostosa”), distribuído pelo robô enquanto ocorre a ordenha (veja o quadro). A tecnologia embarcada no modelo escolhido pelo produtor, um Lely Astronaut 4, já media os passos da vaca, a qualidade do leite, a ruminação, identificava época do cio, etc. O robô importado custou, na época R$ 630 mil, que foram financiados.

O produtor, que não fez faculdade e não tinha intimidade com computadores, diz que aprender a lidar com o robô foi fácil. Ele recebeu capacitação, treinou virtualmente e estava pronto quando ligou o equipamento pela primeira vez.

A pior parte, conta, foi a própria adaptação, porque, se antes lhe faltavam horas no dia para executar todas as tarefas, com o robô ele ganhou tardes livres, que passou a usar para gerenciar o negócio, cuidar das bezerras e ajudar o pai na lavoura de 6 hectares de milho, que vira ração das vacas.

“Fomos chamados de loucos pelos vizinhos. Diziam que a gente estava jogando dinheiro fora, mas foi o nosso melhor investimento.”

Ezequiel conta que a ordenha robotizada deu tão certo que, três anos depois, a família comprou outro robô, a versão 5 do Astronaut, trocou o tanque de resfriamento por um de 6 mil litros, para acomodar todo o leite produzido, e investiu em mais automação: comprou amamentador de bezerras e aproximador de comida.

Segundo ele, as vacas produzem mais com o robô porque são ordenhadas, em média, 3,2 vezes em vez das duas manuais. “Ganhamos mais uma lactação e temos vacas felizes, saudáveis e bem dóceis que hoje nem estranham mais o robô de ordenha, pois foram criadas por robôs. Os animais que não têm boa produtividade são descartados.”

Atualmente, os Nolio têm 130 animais em lactação, produzindo cerca de 5 mil litros de leite por dia, que são

entregues na Cooperativa Santa Clara, no município de Carlos Barbosa. Ezequiel cuida sozinho da ordenha e dos animais, enquanto o pai fica responsável pela lavoura de milho e a mãe, que antes precisava ajudar na ordenha, cuida da casa. A família já não pensa em aumentar a produção de leite. O objetivo agora é vender o excedente de novilhas e investir na compra de terras.

“Não tem dinheiro que pague o nosso estilo de vida hoje. Só nós temos um robô ordenhador em Paraí. Acordamos às 6 horas, em vez de 4h30, e, enquanto os vizinhos estão fazendo a segunda ou terceira ordenha, estamos vendo TV, fazendo festa ou tomando chimarrão, porque a tecnologia trabalha por nós. Os ‘loucos’ agora têm fim de semana e horas de lazer.”

Eduardo Rutz, de 28 anos, também foi criado embaixo das vacas na granja da família, em Westfalia (RS). Primeiro, a ordenha era manual, depois passou para braço de extração e agora é feita por robô. Na criação a pasto, as vacas produziam de 28 a 35 litros por dia.

Em 2019, diante da dificuldade de contratar mão de obra capacitada, os Rutz optaram por construir um galpão climatizado para confinar as vacas e compraram um robô. A produção diária média das 61 vacas holandesas em lactação subiu para quase 50 litros.

“A gente fez muita conta. Teria de ter uma média superior a 40 litros para o investimento se pagar. Visita

mos outras propriedades e decidimos apostar no free stall e no robô. Deu muito certo. O serviço reduziu em 70%”, diz Eduardo, técnico agrícola, que acompanha a ordenha, analisa os relatórios e cuida da gestão do sítio. A mãe, Anelie, cuida do aleitamento das bezerras e o irmão Anderson é responsável pela lavoura e pelo trato das novilhas.

Eduardo conta que o maior problema na propriedade era a alta incidência de mastite nas vacas, que foi reduzida a níveis normais em menos de um ano após a adoção do robô. “Antes, eu não sabia do potencial das vacas. Já tive animal produzindo 84 quilos de leite por dia com o robô, que trabalha 24 horas e me liga a qualquer hora se tiver um eventual problema de funcionamento.”

A família gastou R$ 1,5 milhão nas mudanças e projeta que em quatro anos o investimento deve estar pago. A produção atual é de 2.600 a 2.700 litros por dia, entregues na Santa Clara, mas a meta é ocupar o tempo ocioso do robô e chegar a 65 vacas em lactação, com produção de 3 mil litros. Eduardo diz que, se tivesse mais área para produzir ração, investiria na compra de um segundo equipamento.

Ele alerta, no entanto, que não basta investir no robô. “O robô só faz a ordenha. Você tem de cuidar do melhoramento genético dos animais e fazer a lição de casa. Sem uma boa gestão, não há milagre.”

A Cooperativa Central Gaúcha (CCGL), com sede em Cruz Alta, instalou, em junho de 2020, um robô para ordenha em parceria com a DeLaval no Tambo Experimental, que abriga atualmente 55 vacas holandesas. A diferença é que o sistema de criação é a pasto, de onde vem 80% da dieta dos animais. “Fomos pioneiros no Brasil no uso de robô no sistema a pasto”, diz Rudinei Boss, veterinário que coordena o tambo (nome de fazenda de leite no RS).

O robô foi instalado na área central da fazenda de 32 hectares. As vacas com o chip de identificação ficam em piquetes com distância entre 80 e 800 metros do equipamento e buscam voluntariamente o robô depois de passar pela sala de espera climatizada para receber o concentrado enquanto são ordenhadas. “Os primeiros 40 dias foram bem sofridos, para ensinar os animais a entrar no sistema, passar pelo portão e acessar o robô. Fizemos seleção por genética, tamanho e posição de teta”, lembra Rudinei.

No sistema convencional, a produção diária era de 36 a 38 litros por vaca, com duas ordenhas diárias. Na automação, aumentou para 2,3 ordenhas por dia e a produção alcança picos de 43 litros e média anual de 34. Segundo o coordenador, o custo aumentou, mas a mudança valeu muito a pena, pelo conforto dos animais e das pessoas que cuidam deles. A mão de obra foi mantida, mas ganhou tempo para cuidar da gestão do tambo. A incidência de mastite diminuiu pelo menos 10%, pois o acesso às informações de saúde individual do animal permite a prevenção e o tratamento mais rápido.

O projeto, que incluiu a construção de sala de espera climatizada, instalações para dois robôs e comodato do equipamento da DeLaval, custou R$ 1,8 milhão, com payback esperado de cinco anos. A cooperativa espera aumentar o número de vacas em lactação até o próximo ano para adquirir o segundo robô. O tambo, diz Rudinei, recebe muita visitação de interessados em aderir à robotização da ordenha. Na região da CCGL, 20 cooperados já instalaram robôs em suas fazendas, sendo pelo menos três no sistema a pasto.

Os robôs de ordenha foram criados na Europa para solucionar o problema da falta de mão de obra nas propriedades leiteiras familiares dos médios produtores, que têm de 60 a 300 vacas em lactação, com geração de lucro e sustentabilidade. A gestão profissional por animal, no entanto, passou a ter muito peso na decisão de compra desses equipamentos, segundo representantes das três indústrias europeias que atendem o mercado brasileiro.

Não há fabricação nacional: todos os robôs são importados. E, da compra à instalação nas fazendas, o prazo varia de quatro a seis meses. O equipamento da holan

desa Lely e da alemã GEA custa cerca de R$ 1,2 milhão. A sueca DeLaval não divulga valores.

A Lely, empresa familiar fundada em 1948, lançou o primeiro equipamento de ordenha robotizado há 30 anos na Europa e foi agregando tecnologia em novas versões. Segundo João Pedreira, a Lely é líder de vendas do robô de ordenha no Brasil, com cerca de 60%, já instalou 230 equipamentos e tem mais 130 pedidos em carteira. Com mais ordenhas por dia, o robô aumenta de 10% a 15% a produção de leite e tem capacidade de ordenhar cerca de 60 vacas, para uma produção de 2 mil a 2.500 litros por dia.

A maioria dos clientes está na região sul do país porque a estratégia da Lely foi atender primeiro os produtores do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, que, somados, produzem tanto leite quanto Minas Gerais, líder do ranking nacional. Com sede em Carambeí (PR), a empresa tem dez distribuidores no país e estrutura de atendimento de técnicos para suporte, instalação e orientação.

Caroline Fyben, gerente de marketing América Latina da DeLaval, diz que a empresa atinge mais de 120 países, é pioneira e também líder de vendas no Brasil (não revela os números nem o faturamento), tendo instalado o primeiro equipamento em 2011 na Fazenda Genética ARM, da família Rabbers, em Castro (PR), para atender de 60 a 70 vacas.

“O robô é um dos muitos sistemas de ordenha da DeLaval para facilitar o trabalho nas fazendas. Visa substituir a mão de obra e dar melhores condições de vida ao produtor e ao animal. Antes da venda, no entanto, é preciso conhecer o sistema de produção e a estratégia da fazenda para saber se o equipamento vai ter eficácia.”

Segundo Caroline Fyben, o DeLaval VMS ( voluntary milk system, ou sistema de ordenha voluntária) foi desenvolvido na Europa para atender o produtor familiar com animais em confinamento, mas evoluiu e já é usado no sistema a pasto e também em grandes fazendas de confinamento, como a chilena Ancali, que tem 5.200 vacas em lactação e 64 robôs.

A GEA, multinacional gigante em lácteos na Europa, está no Brasil há 56 anos, com base em Jaguariúna (SP), mas o DairyRobot R9500 chegou há apenas seis anos. Marcelo Moraes, gerente de grandes projetos, diz que a empresa já instalou 59 robôs, tem outros 28 vendidos e está em terceiro lugar no ranking de vendas. Com vendas na Região Sul, mais São Paulo e Sergipe, a empresa está instalando seus primeiros quatro equipamentos em Minas Gerais, em um condomínio familiar.

A estratégia de vendas inicial das empresas com os robôs de ordenha, diz, era usar como apelo de marketing a redução na mão de obra, mas isso já ficou no passado. “O principal argumento hoje para a compra de um robô é a gestão profissional por animal, já que o equipamento fornece todas as informações de cada animal, permitindo ao produtor ter um robusto banco de dados e tomar as melhores decisões para o seu negócio.”

Segundo ele, há muitos robôs desligados no país porque nem todos os produtores que compram o equipamento estão preparados para a ordenha robotizada e nem todo rebanho tem capacidade e genética para aproveitar os benefícios do sistema. “Já fomos sondados por produtores que, por vaidade, queriam ser os primeiros do Estado ou da região a ter robô de ordenha, mas que não estavam preparados para isso.”

Outro fator que deve ser avaliado na compra, diz Moraes, é o custo de manutenção do equipamento (inclui energia elétrica, troca de teteiras e outros componentes e gastos com material de limpeza), que pode custar tanto quanto a mão de obra manual.

O diretor da GEA diz ainda que o sistema pode ser adaptável para fazendas grandes, mas não é viável, pois seria necessário ter muitos robôs. Em um carrossel com 50 robôs para ordenhar de 1.500 a 1.800 vacas, por exemplo, ele calcula que o custo de implantação seria de cerca de R$ 35 milhões. Na ordenha convencional, o carrossel custaria R$ 5,4 milhões.

“O ideal é que a vaca não fique a mais de 80 metros do robô, porque é preciso respeitar a fisiologia animal. Sem isso, mata o sistema e necessita de intervenção humana.”

LÁCTEOS | TECNOLOGIA

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