Revista Globo Rural

Fertilizante natural

PEQUENOS AGRICULTORES DE BARCARENA (PA) PRODUZEM O PRÓPRIO ADUBO, ECONOMIZAM E MELHORAM A QUALIDADE DO SOLO

Por ELIANE SILVA

OAGRICULTOR RAIMUNDO MARQUES OLIVEIRA REIS, mais conhecido como “seu Zaca”, praticamente zerou os gastos com fertilizantes depois que passou a produzir o próprio insumo, em seu sítio de 1,5 hectare, localizado no município de Barcarena, no norte do Pará. Mensalmente, ele desembolsava R$ 500 para comprar fertilizante químico.

Agora, uma vez por mês ele se junta a outras nove famílias de agricultores da comunidade de Cafezal para produzir cerca de 200 litros de biofertilizante puro sólido, que se tornam 2.000 litros de biofertilizante líquido, que são aplicados no solo, no cultivo de hortaliças, legumes, jambu, abacaxi, melancia, cacau, açaí, cupuaçu, banana e outras culturas do sistema agroflorestal.

“Desde que comecei a produzir o bioinsumo, além da economia, observei que a terra ficou mais adubada, acumulando mais nutrientes no solo. É fácil ver na minha horta suspensa que a terra está mais viva, com aumento de minhocas”, diz seu Zaca, que trabalhava como enfermeiro antes de seguir o caminho do pai, agricultor que se aposentou e dividiu a propriedade entre os filhos.

“Hoje, com o dinheiro que sobra do que era gasto com o produto químico, estou montando um tanque para a criação de peixes, visando agregar uma nova renda à propriedade, que já consegue pagar as contas e atrai o interesse dos filhos em voltar para a atividade agrícola”, conta o agricultor, referindo-se ao fato de um dos cinco filhos ter deixado recentemente o emprego em uma indústria na cidade para plantar açaí em um pequeno sítio.

Seu Zaca e mais 90 pequenos produtores de frutas, hortaliças, legumes, frangos e plantas ornamentais das comunidades de Barcarena aprenderam a fabricar o próprio insumo e a melhorar a qualidade do solo com agrônomos e técnicos do Instituto Peabiru, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) que foi contratada via edital para executar o Ativa Barcarena.

O projeto é bancado pela empresa Hydro, multinacional que produz alumínio e tem uma unidade no município, onde já investiu R$ 10 milhões desde 2018, visando desenvolver a biodiversidade e a produção sustentável de alimentos na região. O Instituto Peabiru, fundado há 21 anos, tem como missão levar conhecimento à sociedade sobre a

biodiversidade do bioma Amazônia, além de oferecer assistência técnica para agricultores familiares, ribeirinhos e comunidades tradicionais, visando à produção no sistema agroflorestal, por meio de parcerias com empresas e setor público para desenvolver a sustentabilidade.

“Quando saiu o edital, a gente já tinha feito um diagnóstico do solo agrícola da região e constatado que o sistema tradicional dos agricultores familiares da região, de corte e queima da vegetação, só deixava nutrientes no solo, que é muito ácido, por quatro ou cinco anos”, conta Thiara Fernandes, engenheira agrônoma que faz parte da equipe do Peabiru no Ativa Barcarena.

Além da assistência técnica para fazer um manejo ecológico do solo, o projeto também visa oferecer mais autoestima e autonomia aos agricultores familiares, que passam a não depender mais do fertilizante químico, o NPK. Segundo Thiara, a partir da capacitação nas oficinas e nos encontros com os técnicos, o agricultor inclui a produção do biofertilizante em suas práticas agrícolas e ainda fica apto a difundir o conhecimento.

O biofertilizante é produzido em 24 Unidades Demonstrativas de Preparação de Bioinsumos (UD), que são gerenciadas coletivamente pelos produtores. Uma delas fica na Associação dos Produtores Parque dos Aracuans do Cafezal (Apac), que é presidida pelo seu Zaca.

Cada unidade demonstrativa reúne dez grupos familiares, que coletam os ingredientes para fazer o biofertilizante, que tem como base esterco de gado ou galinha, soro de leite, caldo de cana e cinzas limpas, geralmente vindas da queima de carvão nas casas de farinha, além de outros insumos que os produtores vão sugerindo.

Os ingredientes são misturados em um tambor de 200 litros e ficam em processo de fermentação por 30 a 60 dias, sendo depois dissolvidos em água. Os biofertilizantes tornam as plantas mais resistentes a pragas e doenças, que também são controladas com calda bordalesa e um produto caseiro à base de silicatos solúveis, chamado água de vidro.

Além de aprender como fazer, os agricultores recebem orientações sobre como e quando aplicar e qual a dose correta. Segundo a equipe do Peabiru, o uso das ferramentas agroecológicas ajuda não apenas os produtores, mas também o meio ambiente e a sustentabilidade.

A parceria entre o Peabiru e a Hydro gerou mais um fruto em 2021: o projeto Tipitix, focado no empreendedorismo agroalimentar comunitário e financiado pelo Fundo de Sustentabilidade Hydro (FSH) e pela Fundação Mitsui Bussan do Brasil. Em três ciclos, foram investidos R$ 3,87 milhões, incluídos no total de R$ 10 milhões. O nome do projeto é uma referência ao cesto cilíndrico de palha de palmeira dos povos indígenas da Amazônia, que ainda é usado na região para o processamento da mandioca.

Funciona assim: o agricultor apresenta uma ideia. Se ela for aprovada, ele tem acesso a uma central de beneficiamento na associação para desenvolver o produto, além de assistência para criação de marca, design, embalagens, rótulos, estratégia de comercialização e suporte administrativo e contábil para os procedimentos.

Nos três ciclos, já foram desenvolvidos 34 produtos, entre geleias, farinha de mandioca, maniva pronta para o preparo da tradicional comida paraense maniçoba, tucupi, jambu congelado, sorvetes e pimentas, que estão sendo comercializados em dez pontos de venda, incluindo uma loja do Shopping Boulevard, na capital Belém.

“Desde que comecei a produzir o bioinsumo, observei que a terra ficou mais adubada, acumulando mais nutrientes no solo”

RAIMUNDO MARQUES OLIVEIRA,

produtor rural de Barcarena (PA)

SUSTENTABILIDADE | AGROECOLOGIA

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2023-03-06T08:00:00.0000000Z

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