Revista Globo Rural

ENTREVISTA

CARLOS FÁVARO FALA SOBRE OS DESAFIOS DE ESTIMULAR A PRODUÇÃO COM SUSTENTABILIDADE, AJUDAR NO COMBATE À FOME E NO CONTROLE DA INFLAÇÃO – E TAMBÉM MANTER A AGENDA INTERNACIONAL, COM A ABERTURA DE NOVOS MERCADOS

Por RAPHAEL SALOMÃO Fotos MATEUS BONOMI, de Brasília (DF)

Produtor rural nascido no Paraná, mas com trabalho concentrado em Mato Grosso nos últimos anos, Carlos Fávaro assumiu, em janeiro, uma pasta extremamente estratégica para o país e uma das mais cobiçadas em Brasília. Ex-presidente da Associação dos Produtores de Soja eMilho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), entre 2012 e 2013, Fávaro foi também vice-governador de MatoGrosso(2015a2018) esenadorpelomesmoestado. Agora, comoministrodaAgriculturae Pecuária, tem a missão de colaborar decisivamente em duas das principais agendas do governo Lula: o combate à fome e o desenvolvimento sustentável. Ele afirma que muitos irão se surpreender com seu “alinhamento” com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Na entrevista à GLOBO RURAL, ele diz o que pensa para a política agrícola e como irá dialogar com o setor.

GLOBO RURAL_ Como o senhor pretende posicionar o Ministério da Agricultura em duas das principais agendas do governo Lula: o combate à fome e o desenvolvimento sustentável?

CARLOS FÁVARO_ Não há por que mudar o rumo da administração do Ministério da Agricultura, mas gostaria muito de ser reconhecido como um ministro contemporâneo, que pensou adiante, em como aumentar a produção com sustentabilidade e respeito ao meio ambiente. Claro que o tripé da sustentabilidade passa também pelo econômico, mas principalmente pelo respeito ao meio ambiente e pela inclusão social. E o Ministério da Agricultura tem um papel relevante, em um primeiro momento, com a oferta abundante de alimentos, mas, depois, na expansão de área com respeito ao meio ambiente, sobre pastagens degradadas, que podem ser regeneradas. O Brasil vai

ter a agricultura ancorada no carbono neutro, nas boas práticas, e isso vai cada vez mais abrir mercados.

GR_ Com a volta dos ministérios do Desenvolvimento Agrário e da Pesca, o que o senhor espera da articulação com os ministros Paulo Teixeira e André de Paula?

FÁVARO_ Transversalidade. Não existem duas agriculturas. Existe uma agricultura empresarial, de larga escala, que vai muito bem. E uma agricultura familiar, que coloca alimentos nas mesas dos brasileiros e tem uma baita rentabilidade, desde que tenha uma presença mais forte do Estado. Essa é a diferença. Uma propriedade média, grande, consegue contratar engenheiro agrônomo, assistência técnica, engenheiro florestal, para fazer sua regularização ambiental. Um pequeno sítio não tem essa capacidade. Precisa do Estado. Por isso, o Ministério

do Desenvolvimento Agrário é fundamental. A mesma coisa é o Ministério da Pesca. Não dá para o Ministério da Agricultura tratar, por exemplo, do segurodefeso, dos ribeirinhos, que são políticas muito vocacionadas. Mas essas áreas vão estar interligadas aqui no Ministério da Agricultura. Todas são dependentes da Secretaria de Defesa Agropecuária, responsável pelo SIF, que faz a certificação da qualidade dos produtos.

GR_ Nessa transversalidade, como vai funcionar a gestão da Conab?

FÁVARO_ A Conab cumpre um papel para todos os produtores. O que eu tenho dito, desde a transição, é que, na política agrícola, não temos como apoiar a comercialização dos produtos que estão com preços abaixo do custo de produção se não tivermos vínculo com a Conab. Não conseguiremos,

na política de combate à fome e de controle da inflação, fazer algum estoque público esperando que a agricultura familiar vá fazer, porque ela produz basicamente para subsistência. Quem pode fazer o maior excedente é a agricultura de larga escala. Por isso, precisamos ter vínculo com a Conab. Então, é uma questão de continuidade de política pública, que atenda aos programas sociais. A Conab também precisa ter essa transversalidade. Eu não vejo problema nenhum e acho importante ter vínculos também com a agricultura familiar, mas não pode deixar de ter vínculo com o Ministério da Agricultura.

GR_ A Conab tem um papel importante em prover informações sobre a produção brasileira. Como fica esse aspecto? FÁVARO_

A Conab já faz um trabalho de informação relevante, pauta as políticas públicas e privadas, das agroindústrias, por exemplo, mas pode e deve ser ampliado. Hoje, temos algoritmos à disposição para podermos fazer isso e, com maior número de informação, minimizarmos os impactos negativos e potencializarmos os impactos positivos, tanto para a política pública quanto para a iniciativa privada. A melhoria da informação é a garantia de políticas, tanto públicas quanto privadas, com maior excelência.

GR_ Em relação à agenda de combate à fome, qual é o papel do setor agropecuário? FÁVARO_

Produzir cada vez mais, mas não basta só isso. O Brasil já é um grande produtor de alimentos e tem muito excedente sendo exportado. Se isso bastasse, não teríamos a fila do ossinho em Cuiabá, capital do maior estado produtor de alimentos do Brasil. O incentivo à grande produção para o controle da inflação é fundamental. Mas onde mais a agricultura pode colaborar? Na geração de empregos. A cadeia produtiva pode ser um grande gerador de oportunidades no campo e na cidade. Produzir mais alimentos e ajudar a produzir mais emprego é uma grande colaboração da agropecuária brasileira no combate à fome. Investir nas tecnologias, na capacitação e no fomento é, sim, política de combate à fome.

GR_ Como o senhor vê as estatísticas que mostram a redução no plantio de arroz e feijão?

FÁVARO_

Essa é uma lei de oferta e procura. Nós temos de respeitar. Talvez o hábito alimentar do brasileiro esteja mudando. Talvez ele esteja comendo mais farinha, mais derivados de trigo. Temos de ter oferta de alimentos, mas de acordo com o desejo do cliente, que é o cidadão. A Conab tem um papel que foi abandonado nos últimos anos, de ter um estoque mínimo. Não tem praticamente nada de estoque de arroz. Temos problemas de abastecimento de feijão também. Então, a presença do poder público, não regulador de mercado, mas de segurança alimentar, deve ser retomada.

GR_ Como fica essa recomposição de estoques diante dos preços atuais do mercado agrícola?

FÁVARO_

O ministro Wellington Dias, do Desenvolvimento Social, já está fazendo uma proposta de política transversal. Ele precisa, emergencialmente, de um programa de aquisição de cestas básicas e a Conab está pronta para isso. Temos mecanismos mais modernos, de armazéns privados, onde o estoque público fica à disposição. Mecanismos de apoio à comercialização, por exemplo, o PEP ou o Pepro, para que as indústrias do Nordeste possam comprar milho com apoio de deslocamento, para que não chegue muito caro lá e não comprometa a produção de proteína. A Conab pode e tem esses instrumentos disponíveis. E orçamento, sem muito exagero, mas para o fundamental nós temos.

“Produzir mais alimentos e ajudar a produzir mais emprego é uma grande colaboração da agropecuária

brasileira no combate à fome”

GR_ Como deve ser a gestão desses estoques?

FÁVARO_

Não queremos fazer grandes estoques, muito menos manter uma estrutura de armazenagem obsoleta, atrasada, retrógrada, para guardar esses estoques públicos. Têm de ser estratégicos, dimensionados pelas áreas sociais. Precisamos de tantas mil toneladas de arroz para a segurança alimentar, tantas mil toneladas de feijão, tantas mil toneladas de milho, em armazéns privados nas localidades mais próximas desse consumo. A Conab faz a operação. Se não tem produção local, ela desloca, com apoio à comercialização e ao transporte, e fica ali, à disposição do mercado e das políticas públicas.

GR_ Uma coisa é apoiar a comercialização de milho a R$ 10 a saca e outra é acima de R$ 80 a saca...

FÁVARO_ Mas veja bem. Talvez houvesse mais despesa pública quando o milho estava a R$ 10 a saca, porque eu tinha de apoiar toda a comercialização para levar até os portos e aos mercados consumidores. Os prêmios de escoamento consumiam de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões. Hoje, temos um apoio à comercialização agrícola aprovado no orçamento de R$ 1,320 bilhão. Se não preciso apoiar os preços das commodities na totalidade, preciso apoiar só o que vai ser para controle da inflação, com muito menos volume. Para regiões específicas, onde o frete impacta muito, onde o estoque público tem de chegar para fazer um contraponto ao aumento de preços. Só isso. Acho que temos recurso suficiente para essas políticas emergenciais e pontuais.

GR_ E com qual perspectiva o senhor trabalha para a safra 2022/2023?

FÁVARO_

A previsão é de uma safra recorde, pequenos problemas pontuais hoje, com seca no Rio Grande do Sul, mas o Brasil continua sendo um grande produtor de alimentos, com oportunidades, com safra recorde, com abundância de alimentos, e vai continuar assim por muito tempo.

GR_ E a questão ambiental. O senhor tem dito que o grande problema do Brasil nesse aspecto é de imagem. Por quê? FÁVARO_

Exato. Porque nós temos boas práticas ambientais. O Brasil tem um Código Florestal extremamente restritivo quanto ao uso e à ocupação do solo. Temos 66% do nosso território completamente preservado. É claro que, nos últimos anos, a imagem ficou muito abalada, porque o movimento do governo passado, de “passa boiada” que ninguém está prestando atenção, deu início a um desmatamento desenfreado. Isso causou um prejuízo de imagem muito grande. O comando e controle têm de voltar a ser mais rígidos no Ministério do Meio Ambiente e vamos dar todo apoio à ministra Marina Silva para que faça isso. A bioeconomia da floresta será fortalecida por ela. E a bioeconomia do Ministério da Agricultura será fortalecida. Eu tenho certeza de que o Brasil vai colaborar muito, mostrando essas boas práticas. Não só no discurso, mas também na prática. Vamos mostrar para o mundo, com transparência, rastreabilidade, competência e legislação, que produzimos com sustentabilidade, com respeito ao meio ambiente e ao social.

GR_ Como estão as conversas entre o senhor e a ministra Marina Silva para poder trabalhar essa imagem?

FÁVARO_

Muito bem. As pessoas descrentes vão se surpreender com o nosso alinhamento em torno da produção sustentável. Não podemos só usar o comando e controle, o rigor da lei para combater as más práticas ambientais, mas premiar também, incentivar as boas práticas. Então, esse alinhamento transversal será muito importante.

GR_ Nessa questão, a pesquisa agropecuária será importante?

FÁVARO_

Não podemos deixar de falar sobre o papel da Embrapa, que foi extremamente prejudicada nos últimos anos. No ano passado, 96,5% do orçamento da Embrapa ficou restrito para pagar folha de pagamento e alguma ma

nutenção. A função principal de pensar na pesquisa, na inovação tecnológica e no desenvolvimento da agropecuária brasileira ficou em segundo plano. Então, nós já dobramos o orçamento da Embrapa em 2023, vamos estruturar uma Embrapa contemporânea, moderna. E aí entra o conjunto de ações do Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Agricultura, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Pesca, Embrapa, Conab, tudo isso junto vai fazer cada vez mais a agropecuária brasileira mais sustentável.

GR_ O que deve ser mantido e o que deve ter outro rumo na sua gestão no Ministério da Agricultura?

FÁVARO_

O liberalismo econômico, a política tentada pelo governo passado, principalmente pelo Ministério da Fazenda, no qual se buscava tirar a presença do Estado de qualquer política pública. Um exemplo: “A Embrapa não precisa de dinheiro público para pesquisar. Agora, faz convênio com o setor privado”. Está errado, porque o dinheiro privado só vai vir onde ele vislumbrar lucro, e muitas vezes a pesquisa tem de ser feita para coisas que tenham baixo impacto econômico, mas que aponta oportunidades para os produtores. Então, a Embrapa precisa de dinheiro público. É assim também na questão dos estoques. O governo passado achava que não tinha de ter estoque, que não precisava ter política agrícola com juros equalizados, porque o mercado era suficiente. E hoje estamos vendo juros de 13%, 13,5% até 18%. Então, há uma mudança nas políticas públicas. Em termos de gestão, não. Sempre muito bem gerido, com gente muito competente, honesta, capacitada.

GR_ A Embrapa também pode ter uma atuação semelhante às empresas privadas? Não para visar ao lucro, mas em prover a pesquisa e usufruir dos direitos?

FÁVARO_ Pode e deve. A virada de chave do governo passado foi de não precisar mais de dinheiro público para pesquisa. Não estou dizendo que o dinheiro privado não seja bem-vindo. É. Já falei para CEOs de grandes companhias, que investem em pesquisa, em tecnologia, que a Embrapa está lá de portas abertas para fazer parceria, desenvolver, receber royalties, ajudar na sua manutenção, com o apoio e a parceria. Mas não podemos esquecer o papel público que a Embrapa de desenvolver aquilo que, talvez, não seja atrativo para o mercado, mas é muito importante para a estratégia da produção brasileira.

GR_ Como o senhor imagina o próximo Plano Safra, dadas a conjuntura da economia e a situação fiscal do país?

FÁVARO_ Temos de fortalecer o Pronaf, a agricultura familiar e o seguro agrícola; ter um recurso para médios e grandes produtores para equalização de financiamento. Mas não é a principal vocação. Precisamos voltar com o Moderfrota, com o Moderinfra. Porque isso é investimento. À medida que você apoia a aquisição de equipamentos, além de aumentar a produção no campo, com máquinas mais modernas e mais eficientes, você gera empregos na cidade, gera oportunidade na indústria, e aí você gera impostos, e o Brasil passa a ter superávit. É um ciclo virtuoso da economia com o qual a agricultura contribui muito bem. Ao não termos mais apoio governamental a programas de aquisição de equi

pamentos e armazéns, estamos encolhendo a nossa economia e perdendo a nossa grande vocação.

GR_ Já não seria o momento de o Plano ABC passar a ser o próprio Plano Safra, com toda a estrutura de crédito rural vinculada ao baixo carbono?

FÁVARO_ Claro! Não tenho dúvida disso. Temos lá no Programa ABC, independentemente de qual será a taxa de juro, pois depende do momento econômico para que a gente possa equalizar, a menor taxa de juros do Plano Safra, que é para recomposição de APP e Reserva Legal. Que bom que nós temos. Mas por que não termos lá nesta mesma rubrica recursos com a mesma taxa de juros para conversão de pastagens degradadas? Recursos para financiar biofábricas de produtos biológicos, o que vai baixar o custo de produção? O Programa ABC fortalecido é a certeza de que vamos incrementar a produção sustentável, equilibrada e responsável.

GR_ Quando o programa ABC será base da política agrícola?

FÁVARO_ É uma conjuntura natural. Você não consegue impor pela força todas as práticas. Talvez só no discurso a gente não consiga convencer os produtores. Precisamos incentivar pesquisa, inovação, assistência técnica, e aí, pelo convencimento, vai arrastando. E aí, sim, quero crer que, em um futuro próximo, a política agrícola esteja toda voltada ao ABC.

GR_ O senhor usou a palavra convencimento. Como pretende dialogar com as lideranças e entidades de um setor que, em boa parte, já se mostra bem crítico ao governo?

FÁVARO_ A eleição acabou. Nós respeitamos a democracia, a livre iniciativa. O apoio a determinado candidato, a preferência ideológica de cada cidadão tem de ser respeitada. Mas também é importante o respeito ao resultado das urnas. A todos os que tiverem essa consciência e quiserem o bem do Brasil, estamos de portas abertas. Muitas coisas que acabaram afastando a preferência de produtores pelo presidente Lula são fake news. A imensa maioria é uma retórica do passado que não se mostrou verdadeira quando ele já foi presidente. Esse agronegócio que não votou e não apoiou o presidente Lula talvez seja muito pela retórica mentirosa, de que ia taxar exportação, de que vai trazer insegurança jurídica ao campo, desrespeito à propriedade privada. Tudo isso ele já mostrou sendo presidente que é contrário a essas práticas e vai assim ser, com certeza, nesse novo mandato.

GR_ E no que depende do Congresso Nacional, quais são as prioridades e onde estarão as maiores dificuldades?

FÁVARO_ Temos de fortalecer o Congresso. Se a proposta apresentada para determinado setor da economia, para a política pública, ainda não tem consenso para a votação, precisa ceder, ajustar. Mas precisamos avançar, não retroceder. Por exemplo, o PL dos Pesticidas.

Eu disse à ministra Marina Silva ‘Estamos todos no mesmo alinhamento’. Eu, como produtor e, tenho certeza, que todos os produtores brasileiros não queremos as moléculas organofosforadas, cancerígenas, contaminando os alimentos para o consumo da minha família, das nossas famílias e de toda a população brasileira e mundial. Quero os biodegradáveis; os biológicos; os produtos seletivos, que matam as pragas, mas protegem o inimigo natural; quero aqueles que não contaminam o solo, a água. E, para isso, temos de modernizar a legislação para uma aprovação mais célere e eficiente. A modernização da legislação sem precarizar será um bom debate no Congresso. Já conversei com o novo presidente da FPA (Frente Parlamentar Agropecuária), Pedro Lupion. Ele tem pautas importantes, cumpre um papel fundamental. Mas o governo também tem suas responsabilidades e seus antagonistas, pessoas que pensam diferente. Sempre o diálogo vai estar aberto e a convergência é para que tenhamos o fortalecimento da agropecuária brasileira.

GR_ O que o senhor pretende implantar na sua gestão e o que significa ser um ministro contemporâneo?

FÁVARO_ A consciência dos produtores de que podem e conseguem produzir cada vez mais respeitando a sustentabilidade, o meio ambiente, o social, a inclusão de pessoas, combatendo a fome e gerando logicamente lucros, dividendos e receita. O ministro que conseguir levar essa mensagem de que ganhamos mercado e temos mais oportunidades produzindo de forma sustentável é um ministro contemporâneo.

“O Programa ABC fortalecido é a certeza de que vamos incrementar a produção sustentável, equilibrada e responsável”

SUMÁRIO

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2023-03-06T08:00:00.0000000Z

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