Revista Globo Rural

ILPF

A INTEGRAÇÃO DE AGRICULTURA COM PECUÁRIA AVANÇA NO PAÍS E REVOLUCIONA OS RESULTADOS EM CAMPO

por DENISE SAUERESSIG, de BREJO E PINDARÉ-MIRIM (MA)*

PECUARISTAS DE BOA PARTE DO BRASIL convivem anualmente com uma realidade desafiadora. É quando as altas temperaturas e a escassez de chuvas, que duram em torno de seis meses, comprometem o desempenho das pastagens e, consequentemente, a produtividade dos rebanhos.

Os altos custos da suplementação da alimentação do gado com ração tornam inacessível a estratégia para todos. E é aí que entram práticas de manejo que valorizam o bem-estar animal e resultam em ganhos financeiros para a atividade.

Em Brejo, município do extremo leste do Maranhão, a família proprietária da Fazenda Barbosa é referência na região. Há cerca de dez anos, eles adotam com êxito a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), prática de intensificação sustentável que favorece a qualidade do pasto e o conforto térmico dos animais com o sombreamento proporcionado pelas árvores.

“O sol aqui é muito forte. Se o gado não tiver sombra, não se alimenta direito. Se não tomar água na quantidade adequada, se não houver condição para que ele expresse seu potencial genético, a produção não será a mesma”, destaca a médica-veterinária Viviana Barbosa, que administra o segmento pecuário da fazenda.

Na propriedade de quase 1.000 hectares, a ILPF integra um sistema diversificado que inclui o plantio de capim consorciado com milho depois da colheita da soja. O eucalipto e 12 espécies de árvores nativas formam o componente florestal.

O produtor Vitor Barbosa, pai de Viviana, lembra que, antes da integração, o gado emagrecia, porque não tinha o que comer. "O normal é termos chuva até o final de maio e, depois, só em dezembro. É um período muito longo de estiagem”, explica.

Hoje com 74 anos, ele e a esposa, Fátima, lideraram a incursão da família ao interior do Maranhão, no início dos anos 2000. Depois da aposentadoria como bancários no Rio Grande do Sul, os dois decidiram que era o momento certo de realizar o projeto antigo de viver no campo e chegaram à região em uma época de pouquíssima infraestrutura. Mais tarde, chegaram Viviana e o genro, Fernando Devicari, geógrafo que cuida de toda a parte agronômica da fazenda.

No Maranhão, a família contou desde o início com o apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que prestou assessoria para a implantação do projeto de ILPF. Hoje, a propriedade é uma Unidade de Referência Tecnológica (URT) e sedia dias de campo da Rede ILPF, associação formada por Bradesco, Cocamar, Embrapa, John Deere, Soesp, Suzano e Syngenta.

Seu Vitor recorda que a primeira área implantada com integração lavoura-pecuária (ILP, sem o componente florestal) preencheu 10 hectares com o plantio de braquiária. Entre as vantagens da planta está a resiliência ao estresse hídrico e a incorporação de matéria orgânica, que promove a melhoria das condições do solo. “O meu sonho era ter as vacas em um pasto que o capim alcançasse, pelo menos, a barriga do animal. E lembro que, no primeiro ano, com a braquiária, olhava para o gado lá no meio e só conseguia ver o cupim do reprodutor”, conta.

Quando foram abertas trincheiras para avaliação do solo, a raiz da forrageira foi observada até uma profundidade de 3 metros. “Nunca tínhamos visto raiz de planta nenhuma aprofundar uma área de mais do que 15 ou 20 centímetros”, completa.

A braquiária, segundo ele, foi a solução para formar a palhada sobre a terra e para quebrar a camada adensada do solo com sua raiz. O processo facilita a penetração da água e forma uma reserva que ajuda a proteger a cultura da soja em períodos de veranicos.

O investimento em sementes forrageiras e no plantio de eucalipto teve rápido retorno com os ganhos na pecuária. A fartura de alimento no pasto logo provocou efeitos visíveis no rebanho. “Antigamente, as vacas não tinham uma cria por ano e o ganho de peso era menor”, relata Viviana.

Nas últimas safras, além da melhoria na taxa de natalidade, foi possível um incremento entre 25 e 27 quilos na carcaça dos animais abatidos aos três anos.

A lotação média na propriedade é de 2,5 cabeças por hectare na área de consórcio do milho com braquiária, enquanto a média dos pecuaristas locais fica em 0,8 cabeça por hectare. A diversificação produtiva também representa maior segurança, avalia Fernando. “É uma forma de sempre termos uma fonte de renda para manter a propriedade. A maioria das fazendas da região fica seis meses sem entrada de dinheiro.”

Um animal em um ambiente sombreado, com maior conforto, vai pastejar melhor e ter menos perda de energia, diz o engenheiro florestal Marcelo Müller, pesquisador da Embrapa Gado de Leite. Experiências comprovam ganhos em torno de 20% na produção leiteira.

“A recuperação da pastagem ainda proporciona um aumento de duas a três vezes na capacidade de suporte do campo, o que permite ao pecuarista manter um maior número de animais no mesmo espaço”, declara o especialista, que trabalha há mais de 15 anos com ILPF.

O processo ainda colabora para reduzir a necessidade de abertura de novas áreas para a agropecuária e, consequentemente, diminui a pressão ambiental. “Há casos de propriedades em que a produção passou de 100 a 200 litros por dia para 1.000 a 1.500 litros de leite diariamente. Uma vaca em um pasto ruim vai produzir de 5 a 10 litros ao dia, enquanto um animal bem alimentado gera entre 15 e 20 litros”, enumera.

Para a implantação correta de sistemas de integração, o produtor precisa ter dedicação pessoal e acesso à assistência técnica, afirma o pesquisador. “Apesar de todas as vantagens, existe uma certa complexidade. Temos casos de insucesso. Representam uma minoria e, muitas vezes, estão relacionados à falta de engajamento do pecuarista.”

Um dos principais pontos de atenção está relacionado ao cultivo do componente florestal, representado, na maior parte dos sistemas do país, pelo eucalipto. A árvore exige um planejamento essencial de espaçamento e distribuição bastante variável.

Se houver sombra em excesso, a tendência é de uma concentração de animais nesse espaço, o que vai prejudicar a qualidade do pasto, devido ao pisoteio e ao acúmulo de dejetos, que facilitam a infestação por parasitas. “Nesse caso, o animal só terá o conforto térmico, mas estará em uma condição sanitária ruim e não terá pasto em quantidade adequada. É a diferença entre o remédio e o veneno, ou seja, a dose”, aponta Müller.

Apesar de inúmeras variáveis, um exemplo de sombreamento adequado é o cultivo de, no máximo, 200 plantas por hectare dispostas em linhas, o que facilita o manejo da área. O custo de implantação também varia muito de acordo com a região, mas um valor estimado fica entre R$ 5 mil e R$ 6 mil por hectare.

Já os custos de manutenção são baixos e envolvem, por exemplo, o controle de formigas até o terceiro ano e uma segunda adubação. Uma árvore de eucalipto com idade entre dois e três anos já é capaz de proporcionar sombreamento adequado.

Na Amazônia maranhense, região em que predominam a pecuária extensiva e os pastos degradados, a transição para manejos sustentáveis de ILPF também vem transformando realidades. Na Fazenda Muniz, em Pindaré-Mirim, o engenheiro agrônomo e produtor Luciano Muniz passou a investir no sistema em 2015.

Na propriedade de 200 hectares que pertence à sua família, mantém uma Unidade de Referência Tecnológica (URT) de 15 hectares onde realiza experimentos e recebe pesquisadores e seus alunos da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Na safra 2015/2016, foram iniciados o cultivo de eucalipto e a correção do solo para a adoção do plantio direto.

Quando foi realizado o plantio de milho consorciado com capim, a taxa de lotação na área estava em 0,7 UA (unidade animal) por hectare, enquanto a produção de carne era de 30 quilos por hectare ao ano. Depois de dois anos de lavoura e com a nova pastagem implantada, a taxa de lotação foi elevada para 5 UA por hectare, e a produção de carne chegou a 405 quilos por hectare ao ano, ou seja, 13,5 vezes acima do volume obtido anteriormente. O rendimento equivale ao primeiro ano de pastejo do gado.

Na safra 2015/2016, quando iniciou a implantação do sistema, Muniz teve um custo operacional efetivo de R$ 5.350,18 por hectare e receita de R$ 5.985. Já no ciclo seguinte, o custo foi de R$ 3.870 por hectare, e a receita somou R$ 5.880. Nas safras seguintes, o pecuarista não teve custos com a pastagem. No entanto, a receita caiu para R$ 1.740 por hectare na temporada 2020/2021, devido à condição do pasto. Agora, o ciclo da ILPF será reiniciado, já que o pasto está completando cinco anos e é preciso evitar que entre em estágio de degradação.

No Maranhão, são mais de 5 milhões de hectares com pastagens, sendo que em torno de 95% estão em algum estágio de degradação. "Apenas pouco mais de 2% dessa área conta com integração, o que significa que temos um potencial muito grande”, sustenta o pesquisador Joaquim Costa, da Embrapa Cocais.

A estimativa é que os sistemas integrados estejam presentes em 17,4 milhões de hectares nos diferentes biomas do país. O propósito da Rede ILPF é expandir a tecnologia para 35 milhões de hectares até 2030.

*A JORNAL∣STA V∣AJOU A CONV∣TE DA REDE ∣LPF

“A recuperação da pastagem proporciona um aumento de duas a três vezes na capacidade de suporte do campo”

MARCELO MÜLLER, pesquisador da Embrapa Gado de Leite

SUMÁRIO

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2023-01-31T08:00:00.0000000Z

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