Revista Globo Rural

O AGRO É DELAS

PRODUTORA CRIA COOPERATIVA E INCENTIVA OUTRAS MULHERES CAFEICULTORAS

por DENISE SAUERESSIG

Na região montanhosa das Matas de Minas, no sudeste mineiro, a cafeicultora Julenia Lopes, de 61 anos, mudou radicalmente a própria vida e ajudou a transformar a realidade de outras mulheres. Formada em Letras, a professora de inglês morou por muitos anos na Europa, onde conheceu o marido, o alemão Helmuth Martens. Em 2006, quando o casal visitou o Brasil, esteve em Carangola (MG), onde toda a família de Julenia trabalhava com a produção de café.

“Na época, pensávamos em ter uma pousada na praia, mas meu marido ficou encantado com o verde dos cafezais e me disse que o paraíso era aqui”, conta. O casal acabou comprando um sítio na comunidade de Conceição e, em maio de 2008, deu início à vida na região. Era época de colheita, e um mutirão de familiares e vizinhos de Julenia trabalhava nos cafezais. Ela observou que era arrancada uma grande quantidade de grãos verdes das árvores. “É uma forma de melhor aproveitamento da mão de obra, mas decidimos que faríamos a colheita seletiva, apenas dos grãos vermelhos, para conseguirmos uma qualidade superior e melhores preços no mercado”, relata.

A integração com a realidade local aproximou Julenia do Centro Comunitário Rural de Conceição, uma associação da qual seu avô foi o primeiro presidente. Convidada para integrar a diretoria da organização, a professora logo começou a mobilizar outros produtores para buscar formas de melhorar a rentabilidade da atividade cafeeira. Ela percebeu o tímido envolvimento das mulheres nos negócios das famílias.

Nos cursos promovidos em parceria com instituições como a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), chamou sua atenção o reduzido número de participantes femininas.

Em um evento, conheceu o trabalho da Aliança Internacional das Mulheres do Café (IWCA, na siga em inglês), organização fundada em 2003 por representantes dos Estados Unidos e da Nicarágua. Em 2012, ajudou a criar a IWCA Brasil e, até hoje, atua como mobilizadora regional da aliança.

Os anos seguintes foram de conquistas expressivas. Ela procurou escolas da região para que pudessem servir aos alunos os alimentos da agricultura familiar na merenda escolar. “As hortas são cuidadas por mulheres, e a minha intenção era que elas tivessem renda para esperar pela maturação do café”, explica.

A professora e agora cafeicultora também conseguiu, via projeto encaminhado ao governo do estado, um equipamento para a torrefação automática dos grãos. A ideia era viabilizar o lançamento de uma marca comunitária de café. O nome – Fruto Fino – foi escolhido em conjunto com alunos de uma escola da região, que enviaram sugestões. O Sebrae auxiliou na criação da logomarca, e o café da comunidade de Conceição foi servido na Copa do Mundo do Brasil, em 2014, e nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016. Um dos grandes diferenciais é a produção certificada sem o uso de defensivos químicos (sistema de cultivo SAT).

Tanta prosperidade motivou outras famílias e grupos de produtores a criar suas próprias marcas de café na região. Julenia entendeu que era preciso ainda mais organização. Com o apoio da Emater, fundou, em 2016, a Coolabore, da qual é presidente até hoje.

Um dos objetivos com a criação da cooperativa era viabilizar a venda de café para além dos limites do município. “A partir daí, não paramos mais. Um dos grandes momentos foi quando a Marinha do Brasil fez uma chamada pública para a compra de 53 toneladas de café e nós ganhamos”, revela.

A Coolabore conta com 91 sócios cooperados, sendo que 49 são mulheres. Apenas representantes femininas compõem a diretoria. Em paralelo ao trabalho com a comunidade e para a qual ela tem muitos outros planos, Julenia cuida dos seus cafezais. São 10 mil pés no sítio que adquiriu com o marido, onde também produzem culturas como banana, feijão e milho.

Ainda que seja uma atividade desenvolvida predominantemente pela agricultura familiar, a cafeicultura brasileira revela desigualdade de gênero no gerenciamento dos negócios. O mesmo acontece com a agropecuária de forma geral.

Segundo o último Censo Agropecuário do IBGE (2017), os homens lideram 81% dos imóveis rurais. No caso do café, o percentual de propriedades geridas por mulheres é de 13,2%, ou 40,3 mil dos mais de 304,5 mil estabelecimentos que trabalham com a cultura. Quando se acrescentam os dados de mulheres que participam da atividade na codireção juntamente com seus cônjuges, tem-se mais 48,1 mil mulheres.

“Não olhamos apenas para a produção dentro das propriedades, mas para o sistema como um todo”

CHRISTIANE LELES DE VITA, pesquisadora do Pensa

No mundo todo, a estimativa é de que um quarto das mais de 12 milhões de fazendas que cultivam o grão estejam sob a responsabilidade de mulheres, segundo a Organização Internacional do Café (OIC).

Os dados levam à necessária reflexão sobre as estratégias que existem para a mudança aqui no Brasil – maior produtor e exportador de café do mundo. A pesquisa “Desequilíbrio de gênero do agronegócio café”, desenvolvida por pesquisadores do Pensa, centro de estudos do agronegócio ligado à Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, constatou que as cafeicultoras têm menos acesso à internet e a fontes de financiamento.

As mulheres também participam menos de atividades de capacitação. “Tudo isso leva à redução de produtividade, a menores salários e a um impacto econômico negativo, ou seja, perde toda a sociedade”, sustenta a professora da FIA Business School Christiane Leles Rezende de Vita, pesquisadora do Pensa.

O estudo, que é parte das atividades da Universidade do Café Brasil, um projeto que o Pensa e a FIA desenvolvem para a Illycaffè há mais de 20 anos, indicou iniciativas que podem transformar realidades nas diferentes etapas da cadeia. “Não olhamos apenas para a produção dentro das propriedades, mas para o sistema como um todo e para a importância de ações conjuntas”, detalha Christiane.

A pesquisa ouviu 31 representantes do setor em painéis realizados em 2021, em três regiões produtoras de Minas Gerais. Nas fazendas, ficou clara a importância da orientação das novas gerações sobre a igualdade no processo sucessório. Também a equalização salarial no caso de mesmas funções executadas por homens e mulheres, a formalização da titularidade na propriedade da terra e a equivalência de benefícios previdenciários.

“Uma das nossas conclusões é que as cooperativas e outras formas de organização coletiva são valiosas ferramentas e podem ampliar a inclusão de mulheres na assistência técnica e gerencial. Assim como os fornecedores de insumos podem elaborar estratégias para que as produtoras recebam mais atividades de capacitação”, enumera a pesquisadora.

SUMÁRIO

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2023-01-31T08:00:00.0000000Z

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