Revista Globo Rural

ARMAZENAGEM

PARA GARANTIR RENTABILIDADE, PUBLICITÁRIO PREMIADO EM CANNES INVESTE EM ARMAZENAGEM NA BAHIA ANTES MESMO DE SEMEAR O PRIMEIRO GRÃO

Por ELIANE SILVA

FELIPE AUGUSTO ALONSO, TERCEIRA GERAÇÃO de uma família de publicitários que, nos anos 1940, fundou a agência Norton, em 2017 conquistou quatro Leões no Festival de Cannes - dois deles de ouro, um de prata e outro de bronze - por uma campanha para a Heinz, multinacional americana que produz ketchup, maionese, mostarda e outros alimentos.

Três anos antes, no entanto, o publicitário com especialização em cinema já estava envolvido com outra atividade: a agricultura. A família Alonso comprou uma fazenda de 1.756 hectares no município baiano de Barra, à beira do Rio São Francisco e a batizou de Barracatu (ou Barra Linda, em tupi-guarani).

“Antes de plantar o primeiro grão, já tínhamos o projeto de construir silos para armazenar a produção, seguindo o estilo de trabalho dos fazendeiros americanos, que usam máquinas grandes e pouca mão de obra. A ideia era não ter fila de caminhões na colheita e não depender dos silos terceirizados, cujas contas são favoráveis a eles, e não aos produtores”, conta Felipe.

O plano é crescer em módulos na produção (atualmente são 400 hectares), na irrigação (a fazenda tem dois pivôs de um projeto de nove) e na armazenagem. O primeiro silo secador portátil, com capacidade de limpar 40 toneladas de grãos por hora, foi instalado em 2015.

Em 2022, Felipe investiu no segundo silo, um modelo com capacidade de limpar 100 toneladas por hora. A capacidade de armazenagem atual é de 15 mil sacas, mas deve passar para 100 mil em dois anos, com a instalação de um silo armazenador.

O publicitário-produtor conta que o preço dos equipamentos, da estrutura civil e dos prestadores de serviço mais do que dobrou na comparação com os gastos somados no primeiro silo. A montagem, por exemplo, que em 2015 custou R$ 30 mil, no ano passado subiu para R$ 130 mil.

O investimento total no segundo silo passa de R$ 2 milhões, sendo metade relativa à obra civil. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiou a parte dos silos e a família usou recursos próprios para a obra civil, que inclui terraplenagem, construções e parte elétrica.

Ele conta que, mesmo com o aumento de custos, decidiu fazer o investimento, porque, a partir de 200 hectares, já vale a pena ter uma estrutura inteligente de armazenagem na fazenda.

O silo, diz ele, traz ao produtor a tranquilidade de poder tirar a soja da fazenda na hora que quiser, saber quanto há de umidade e impurezas nos grãos e negociar o preço. Isso se torna mais importante ainda na região da propriedade, devido à distância dos centros armazenadores e beneficiadores. Por lá, existem 37 fazendas de grãos, mas só a Barracatu tem silos.

Produtor de grãos em áreas

de renovação de canaviais do interior paulista, que somam cerca de 1.000 hectares, o administrador de empresas Sérgio Battistella Bueno também decidiu investir R$ 5 milhões no ano passado em estruturas de armazenagem em sua fazenda, no município de Morro Agudo.

“Na região, os caminhões ficam dias na fila para descarregar nas tradings e o produtor só recebe o preço de balcão. Como eu já tenho estrutura de armazenagem na minha fazenda de grãos e pecuária no

“Antes de plantar o primeiro grão, já tínhamos o projeto de construir silos para armazenar a produção”

AUGUSTO ALONSO,

produtor em Barra (BA)

Tocantins que funciona bem com apenas dois funcionários, decidi investir na implantação de um silo desenhado para minha produção em São Paulo, visando colher na hora certa e vender no mercado disponível com preços de 3% a 5% maiores que os do balcão.”

O projeto tem capacidade para armazenar 50 mil sacas, mas, por ser modular, pode crescer até 100 mil. Atualmente, Bueno produz cerca de 70 mil sacas de soja. O produtor obteve uma linha de crédito do PCA (Programa de Construção e Ampliação de Armazéns), com juros de 7% e 12 anos para pagar. O payback esperado é de cinco anos.

A obra começou em setembro e deve ficar pronta em março deste ano. Segundo ele, todo produtor rural deveria se preocupar com armazenagem, pois isso agrega segurança e menos riscos de perdas. “Não custa tão caro, não é difícil de operar e traz muitos benefícios ao produtor.”

Magnos Evaldo Lindorfer, produtor de soja (1.200 hectares), milho (200 hectares) e algodão (710 hectares) em Dom Aquino, em Mato Grosso, também destaca os benefícios de ter estruturas de armazenagem na fazenda. Há três anos, ele investiu R$ 4,5 milhões para driblar as dificuldades na hora da colheita e diz que a obra, composta por dois silos, com capacidade para 32 mil sacas e um silo pulmão de 5 mil sacas, já se pagou.

“Nas últimas três safras, colho em janeiro e vendo a produção o ano todo, aproveitando o melhor momento. No silo, a qualidade dos grãos para exportação se mantém durante todo o tempo de armazenamento.”

E 2022 foi um “ano de ouro”

para as indústrias que produzem soluções para armazenagem, apesar da inflação da construção civil e do esgotamento rápido dos recursos do Plano Safra. A avaliação é de executivos das empresas Kepler Weber, Gran Finale e GSI.

“A demanda continua robusta e o sufoco dos fertilizantes já passou. Superamos pandemia, dificuldade na cadeia de suprimentos em quantidade e preço e inflação”, afirma Piero Abbondi, CEO da Kepler, indústria gaúcha que lidera o mercado, com participação de cerca de 40%.

Daniel Belani, gerente-geral de vendas América do Sul da GSI (braço de armazenagem da multinacional AGCO, dona também da Massey Ferguson e Valtra), diz que 2022 foi um ano maravilhoso para a companhia porque os fundamentos da área agrícola garantiram um mercado demandante de armazenagem.

“Nos últimos quatro a cinco anos, crescemos acima de dois dígitos. O produtor está bem capitalizado, com rentabilidade boa em soja e milho, e o Brasil acelerou o crescimento anual na produção de grãos.”

Paulo Bertolini, presidente da Câmara Setorial de Armazenamento de Grãos (CSEAG) da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) e dono da indústria Gran Finale, afirma que o ano foi realmente de carteira cheia para as empresas do setor, mas destaca que houve uma queda brusca nos últimos meses, devido à tensão com as eleições.

Abbondi, da Kepler, admite que houve uma interrupção, mas diz que isso ocorreu em todos os setores, porque toda mudança de governo gera incertezas. “A Kepler se mantém confiante. O produtor está no meio da safra e deve começar a tomar decisões em fevereiro ou março. É só uma questão de tempo para ver como serão os juros e o financiamento.”

Segundo o executivo, o novo ano não deve ser tão pujante como 2022, mas vai ser bom, pois o produtor tem de investir para enfrentar a pressão de não ter onde guardar os grãos e para não perder dinheiro na hora da venda.

Belani, da GSI, concorda com o CEO da Kepler. “Não chamaria de paralisação, e sim de momentos de certa apreensão, que não diferem de eleições anteriores. O ritmo de tomada de decisão desacelerou nos últimos meses, mas, assim que as regras estiverem claras, o agro recompõe seu ritmo.”

Bertolini diz que, mesmo com o aumento de projetos, o déficit anual de armazenagem no país já passa de 100 milhões de toneladas, visto que a capacidade instalada não cresce no mesmo ritmo da produção de grãos, que bate recordes todos os anos.

Segundo ele, não falta interesse do produtor, tecnologia nem capacidade da indústria de expandir a produção dos equipamentos. O que faltam são linhas de crédito com juros e prazos compatíveis com o payback do investimento.

Nas contas do dirigente, para aumentar a capacidade estática de armazenagem no Brasil, seria necessário investir pelo menos R$ 15 bilhões por ano para recuperar o que não se investiu nos anos anteriores, mas, do PCA de R$ 5,13 bilhões anunciado no Plano Safra em junho, foram liberados apenas R$ 2 bilhões. Resta ao produtor buscar recursos no mercado financeiro, com juros que chegam a 17%, em vez dos 7% da linha subsidiada.

Bertolini afirma que, desde a criação do PCA, a estatística da capacidade de armazenagem nas fazendas praticamente não mudou, permanecendo na casa de 15%, índice que ultrapassa os 60% nas fazendas americanas.

Bernardo Nogueira, diretor comercial da Kepler, concorda que o aumento anual da capacidade de armazenagem no país não atinge nem a metade do necessário para manter o déficit estável. “Devemos ter um problema grande na safra de soja deste ano, que deve ter 30 milhões de toneladas a mais. Armazenar milho a céu aberto no Cerrado no tempo seco é uma coisa. Agora, armazenar soja a céu aberto em janeiro e fevereiro, época de chuvas, é impossível.”

“A Kepler se mantém confiante. O produtor está no meio da safra e deve começar a tomar decisões em fevereiro ou março”

PIERO ABBONDI,

CEO da Kepler Weber

SUMÁRIO

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2023-01-31T08:00:00.0000000Z

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