Revista Globo Rural

ILPF

PRODUTORES INVESTEM NO PLANTIO DE ESPÉCIES NATIVAS NA INTEGRAÇÃO ENTRE LAVOURA, PECUÁRIA E FLORESTA

por CLEYTON VILARINO ilustração PAULO FERRARI

AOS 67 ANOS, ALDERICO ANICETO FERREIRA diz que nunca viu uma macaúba morrer, mas desde 2018 tem se dedicado a acompanhar e cuidar do desenvolvimento de mais de 300 mudas plantadas em 32 dos seus 50 hectares de terra em Patos de Minas (MG). A palmeira nativa do cerrado que habita as memórias de tardes de pescaria no município vizinho de Presidente Olegário, onde cresceu, hoje é um negócio com uma perspectiva de retorno de pelo menos R$ 52 mil ao ano.

“A intenção minha ao plantar não foi pensando em mim mesmo, mas no futuro, em quem vem pela frente, porque todo ano dá colheita”, explica o produtor. O termo “aposentadoria” não é à toa, dado que a produtividade máxima da palmeira só costuma ocorrer após cinco anos de plantio.

Com uma produção que pode chegar a 6 mil litros de óleo por hectare, a espécie tem sido a principal aposta da indústria de óleos vegetais para atender a uma demanda crescente, impulsionada sobretudo pela indústria de biocombustíveis, e que hoje é atendida no Brasil majoritariamente com o uso do derivado da soja.

“O mercado mundial de óleos vegetais gira em torno de 200 mil toneladas ao ano e cresce entre 3% e 6% ao ano. Se a gente considerar que esse consumo adicional precisa ser atendido com novas áreas de soja, seriam necessários 24 milhões de hectares ao ano, o equivalente a um território um pouco maior que o Estado de São Paulo”, calcula o diretor executivo da Inocas, Johannes Zimpel.

A empresa, que mantém contratos de parceria e arrendamento com 71 agricultores familiares de Patos de Minas (incluindo Alderico), já promoveu o plantio de 2.300 hectares de macaúba em sistema ILPF na região e se prepara para iniciar a produção em uma área de 5 mil hectares em plena Amazônia, no Pará. O objetivo, segundo Johannes, é tornar-se referência no setor e ajudar a alavancar uma cadeia que está em suas fases iniciais de desenvolvimento.

“Não estamos visando a um monopólio, ser o mais forte. A gente sabe que a demanda global só pode ser atendida se muitas outras pessoas, iniciativas e fazendas aderirem a essa ideia e plantarem por conta própria”, conta o empresário, que tem na integração lavoura-pecuária-floresta um dos pilares estratégicos de seu negócio.

É a partir dela que a cultura consegue, por exemplo, um sequestro de cerca de 20 toneladas de carbono por hectare ao ano, oferecido como garantia e até mesmo pagamento de parte de seus financiadores – numa espécie de venda antecipada de crédito de carbono.

Além do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), do qual o projeto recebeu ao todo US$ 4 milhões, também estão na lista de financiadores Fundo Vale, Amazon Biodiversity Fund (ABF), Amaz e Impact Earth – este último responsável pelo financiamento do plantio de macaúba em ILPF na Amazônia.

“Nesse caso, o carbono é a garantia do investimento. Então podemos devolver o recurso como quiser, inclusive com a receita da venda de óleo e da ração produzida, mas demos o carbono em garantia, o que tira o risco desse investidor. Então o carbono é muito importante nesse negócio”, detalha Johannes.

De acordo com o economista sênior do WRI Brasil, Paulo Camuri, o mercado de carbono pode ser decisivo para a promoção do componente arbóreo em sistemas integrados – o que faz do projeto da Inocas uma exceção num universo já pequeno. Hoje está presente em apenas 20% dos 17,5 milhões de hectares de ILPF implantados no país, que são predominantemente ocupados por espécies exóticas e de rápido crescimento, como o pínus e o eucalipto.

“A gente entende que, à medida que esse mercado de carbono vá sendo estruturado, essa vantagem de fixação de carbono no sistema integrado deve fechar melhor a equação e vai viabilizar muitos empreendimentos que não seriam viáveis sem considerar o carbono”, pontua Camuri.

Se tivesse recorrido a linhas de crédito convencionais, a Inocas dificilmente teria seu financiamento aprovado, posto que, assim como outras espécies arbóreas nativas, a macaúba não possui nenhuma cultivar comercial, zoneamento agrícola ou sistema de produção registrado.

“O que temos é o que está na natureza, e usamos nas modelagens financeiras e expectativas econômicas a média da natureza. Então ainda não há melhoramento genético, mas o que a gente já faz é uma seleção genética”, explica Johannes ao reconhecer os desafios inerentes ao trabalho com árvores nativas. É assim também com o baru, com o pequi, com a araucária e com uma série de outras espécies em estudo para se tornarem alternativas às espécies exóticas no sistema ILPF.

No campus de Uberlândia do Instituto Federal do Triangulo Mineiro (IFTM), o professor Luis Augusto da Silva Domingues estuda, desde 2015, quando criou o Centro de Estudo e Pesquisa em Sistema Agrossilvipastoril (ILPF), o desenvolvimento de espécies nativas e exóticas integradas com lavoura e pastagem. Entre as avaliações estão os efeitos do sombreamento sobre o desenvolvimento da lavoura, a fertilidade do solo, a taxa de respiração microbiana e o desenvolvimento radicular de espécies nativas como o ipê-amarelo, o mogno-brasileiro, o baru e o pequi.

“O objetivo da criação do centro de estudos e pesquisa foi conhecer alternativas ao eucalipto no ILPF. Hoje sabemos que mais de 90% das áreas de ILPF são com eucalipto pelas características que ele tem: crescimento rápido, comercialização da madeira, rebrota. Mas aqui buscamos conhecer e avaliar o desenvolvimento de outras espécies cujo objetivo não seja só a extração de madeira”, conta o pesquisador. Próximo à comunidade de Sobradinho, onde estão cerca de 150 produtores rurais, ele vê o centro como uma forma de fomentar a ILPF na região.

Com 5 hectares, o Centro de Estudos é mantido quase que exclusivamente por alunos do ensino médio e superior

do campus que reúnem dados sobre diferentes espécies, incluindo testes com açaí. Dentre os mais promissores, o professor cita o baru. “Ele apresentou uma melhor uniformidade de desenvolvimento que a gente avalia para ver período de soltura do gado. No terceiro ano a gente já teve produção de frutos, apesar de ser em baixa quantidade, e já foi possível a soltura dos animais”, explica Domingues.

A espécie, cujo fruto abriga uma semente comestível avaliada em até R$ 150 por quilo, chamada popularmente de castanha de baru, é velha conhecida do setor madeireiro como cumaru – nome da madeira nobre à qual dá origem, mas cujo corte pode levar mais de 30 anos para ser realizado. A valorização de suas sementes, contudo, tem mudado esse cenário.

“Quando a gente adiciona frutíferas ao sistema, é extremamente importante, porque a fruta tem um valor agregado muito maior, e isso favorece a geração de renda”, explica a professora do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Uberlândia, Adriane de Andrade Silva.

“A intenção de plantar não foi pensando em mim mesmo, mas sim em quem vem pela frente"

ALDERICO ANICETO FERREIRA, produtor de Patos de Minas (MG)

Em Brasília, a Embrapa Cerrados também se debruça sobre o desenvolvimento do baru em ILPF e incluiu em seus estudos análises com o pequi – espécie que acaba de ter suas primeiras cultivares registradas. “Isso só foi possível (lançar as primeiros cultivares de pequi) porque já se dominava a técnica de multiplicação vegetativa, principalmente de enxertia, bem estabelecidas para o pequi, o que não se tem ainda para o baru”, ressalta o pesquisador da unidade Fernando Rocha.

A pesquisadora Elenice Moura Gonçalves, também da Embrapa Cerrados, tem trabalhado para reduzir esse atraso do baru em relação ao pequi. Ela desenvolve um sistema de nutrição das plantas e diz que o próximo passo será o processo de clonagem das mudas mais produtivas, dando maior uniformidade ao plantio. “É uma planta em processo de melhoramento genético e domesticação” resume.

No Paraná, o pesquisador da Embrapa Florestas Wanderley Porfírio avalia a integração entre lavoura, pastagem e uma velha conhecida da região: a araucária. A árvore, que é considerada ameaçada de extinção e está presente desde a bandeira do Estado até as construções históricas, que exibem a qualidade e a durabilidade de sua madeira, tem 26 indivíduos diferentes plantados há 12 anos na Embrapa para estudo do seu comportamento em sistemas integrados.

Embora a espécie já possua um pacote tecnológico mais consolidado, com cultivares certificadas desenvolvidas a partir de técnicas de enxertia, quando o assunto é ILPF, o trabalho está apenas começando. “Temos árvores de diâmetros e tamanhos diferentes, mas estamos muito satisfeitos, porque estamos indo para 13 anos e elas já estão com um diâmetro razoável, crescendo na casa dos 2,5 centímetros de diâmetro por ano – o que é considerado muito bom para uma espécie nativa”, pondera o pesquisador.

A situação é a mesma no campus Uberaba do IFTM, onde os pesquisadores Daniel Pena Pereira e Dawson José pesquisam o uso da macaúba em sistemas in

tegrados para produção de biocombustíveis. Ao todo, foram plantadas 1.098 mudas em diferentes arranjos (com pastagem, com lavoura e em monocultura) e, embora não tenha havido impacto na produtividade pecuária, a diversidade genética do plantio é visível. Quase oito anos depois do plantio, das mais de mil, apenas 200 mostraram potencial produtivo.

“Não é um resultado muito gratificante e, se formos passar esse mesmo pacote tecnológico para o produtor, ele não vai gostar do resultado. Ainda estamos engatinhando na pesquisa. Quando a gente olha no meio natural, vemos muitas árvores bonitas, com uma produção grande, muitos cachos e frutos grandes, isso é reflexo de uma seleção genética natural”, explica o pesquisador ao comparar a macaúba ao eucalipto, cujo plantio de clones permite um desenvolvimento uniforme da área.

“Hoje o eucalipto avança comercialmente devido à melhoria genética alcançada por meio do cruzamento de espécies e da clonagem. São plantas homogêneas, com produ

“O eucalipto avança por conta da melhoria genética alcançada através do cruzamento de espécies e clonagem”

ção, adaptação ao clima, resistência a doenças, etc. E com a macaúba a ideia é chegar a esse ponto”, ressalta Daniel.

Os objetivos são os mesmos da Embrapa Florestas com a araucária, cuja floração das diferentes genéticas plantadas deve permitir realizar cruzamentos com fins de seleção e melhoramento. “Ainda não chegamos a esse ponto, mas as condições para isso já existem. As araucárias começaram a florescer no ano passado, e está posta a possibilidade de fazer hibridação”, revela Porfírio.

A dificuldade de obter mudas de boa qualidade, com crescimento uniforme e previsibilidade para o início da produção, está entre as principais dificuldades para a disseminação do uso de espécies nativas entre produtores adeptos de ILPF. Sem um pacote tecnológico estabelecido, etapas importantes para o início do plantio, como a análise de viabilidade econômica, ficam comprometidas, o que dificulta a sua recomendação técnica.

É diferente do eucalipto e de outras espécies exóticas que passaram por anos de pesquisa e desenvolvimento a fim de alcançarem níveis de produtividade já reconhecidos. Introduzida no país ainda na década de 1960, para atender à demanda das indústrias de papel, celulose e siderurgia, a árvore nativa da Austrália recebeu benefícios fiscais e amplo investimento privado em melhoramento genético e no desenvolvimento de sistemas produtivos adaptados às diferentes regiões do país – algo que não tem ocorrido com as espécies brasileiras.

“Espécies nativas ou que não têm esse interesse econômico tão grande não tiveram esse aporte financeiro. A gente contou muito com o financiamento público, que é um financiamento mais de curto prazo, com projetos de três a quatro anos, sendo que são espécies que têm crescimento muito mais lento e cujas respostas são mais difíceis de serem alcançadas”, explica o pesquisador da Embrapa Gado de Leite Marcelo Müller.

Com ampla experiência com pequenos produtores, que predominam na pecuária de leite, ele explica que a crescente possibilidade de uso de espécies nativas assistidas no país é também uma ferramenta importante para promover a adoção do componente florestal em atividades em que o componente madeireiro tem pouca ou nenhuma atratividade, contribuindo para virar mais uma página na história da ILPF no Brasil.

DANIEL PENA PEREIRA, pesquisador do IFTM

SUMÁRIO

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2023-04-29T07:00:00.0000000Z

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