Revista Globo Rural

EMPREGOS

O AGRO, UM DOS CAMPEÕES DA GERAÇÃO DE EMPREGOS NO PAÍS, ACELERA AS CONTRATAÇÕES COM CARTEIRA ASSINADA

por WILHAN SANTIN, CAMILLA RAMOS e PATRICK CRUZ fotos SERGIO RANALLI

Formado em engenharia mecatrônica por uma faculdade privada de Araraquara, no interior de São Paulo, Wesley Sales Rocha passou três de seus 26 anos de vida ajudando a montar aviões na Embraer. Para leigos, construir aeronaves parece ser a materialização de um sonho que todo engenheiro alimenta desde a infância. Aos que olham de fora, a impressão que se tem é que, em um ranking hipotético de troféus, os aviões ficariam em um lustroso segundo lugar, logo depois do triunfo que é colocar um foguete no espaço.

Até poucos meses atrás, Rocha trabalhava na montagem do interior das aeronaves KC 390, o maior modelo militar que existe hoje na América Latina, que integra a frota da Força Aérea Brasileia (FAB). Natural de Américo Brasiliense, uma cidade da região de Araraquara que tem pouco mais de 40 mil habitantes, o jovem engenheiro conquistou o céu – e descobriu que seu próximo sonho grande estava na terra. Ou quase isso.

Em dezembro do ano passado, ele se tornou mais um exemplo de trabalhador que o agronegócio “roubou” de outros setores da economia ao deixar as aeronaves da Embraer de lado e ingressar na São Martinho, um dos maiores grupos sucroalcooleiros do país.

O engenheiro levou sua experiência com operações elétricas e mecânicas dos tempos de indústria aeronáutica para os ares do agro: atualmente, sua função é pilotar drones que aplicam defensivos agrícolas nos canaviais da Usina Santa Cruz, também em Américo Brasiliense.

O agronegócio é um dos setores que mais geram postos de trabalho no país. A novidade, hoje, é o crescimento das contratações com carteira assinada. A chamada formalização do trabalho nunca foi tão alta no agronegócio, de acordo com um levantamento recente do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGV Agro), que elaborou o trabalho a partir dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C). Nos últimos três anos, o setor gerou quase 360 mil empregos formais.

Contratado com carteira assinada, Rocha não teve de buscar qualquer formação prévia sobre agronegócio e passou por treinamento interno assim que entrou na nova casa. Em quatro meses de pé na terra, ele pegou tan

to gosto pela agricultura que até já faz planos de cursar uma nova faculdade: agronomia. “Quero me especializar nessa área e crescer na empresa”, conta. “Depois que entrei aqui na São Martinho, a vontade apareceu.”

A FGV Agro analisou estatísticas do intervalo entre 2019 e 2022 para tomar como base o último ano antes do início da pandemia de Covid-19. Nesse período, a proporção de vagas com carteira assinada no agronegócio brasileiro passou de 38,4% para 40,1%. Esse é o maior percentual da série histórica da PNAD-C, que começa em 2016.

Felippe Serigatti, o pesquisador do FGV Agro que coordenou o estudo, explica que a formalização do trabalho no campo tem íntima ligação com o crescimento da renda no setor nos últimos anos.

Pandemia, quebra de safra após a seca histórica de 2021 e crise na oferta global de fertilizantes, agravada pela guerra na Ucrânia, foram choques duros, e, em certos momentos, simultâneos, observa o pesquisador. Ainda assim, graças a alta de preços das commodities, o agro brasileiro continuou crescendo. “Os preços foram bem favoráveis. Isso elevou a margem dos produtores e abriu espaço para investimentos e incorporação de tecnologia”, diz Serigatti.

A conjuntura favorável ajuda a transformar em tendência macroeconômica as conquistas individuais. Geicielli Ferreira Caetité nasceu no distrito de Alto Alegre, que pertence ao município de Colorado, no norte do Paraná, sempre estudou em escola pública e começou a trabalhar como balconista em uma loja de roupas, quando ainda era adolescente. Aos 22 anos, ela conseguiu uma vaga na usina de produção de açúcar e etanol em que seu pai trabalhava, onde aprendeu a lidar com a tecnologia e a calibrar as máquinas para os alinhamentos com o GPS.

Geice, como prefere ser chamada, resolveu então cursar engenharia agronômica. Depois de tirar nota alta no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), obteve bolsa integral em uma universidade particular de Maringá via Programa Universidade para Todos (Prouni), do governo federal – e, em dezembro de 2021, após viajar, ao todo, 130 mil quilômetros no trajeto Alto Alegre-Maringá, ida e volta, para frequentar o curso, conseguiu se formar. Poucos dias depois do encerramento das aulas, começou a trabalhar na Cocamar Máquinas.

“O mundo pode parar com tudo, menos de comer”, ela raciocina sobre ser uma profissional do agronegócio. “Fico feliz demais por trabalhar diretamente nesse ramo.” A empresa em que ela atua pertence à Cocamar Cooperativa Agroindustrial, que tem aproximadamente 3 mil funcionários em mais de 100 unidades operacionais.

Geice trabalha no planejamento de plantio, atividade em que, por meio de um software, ela se certifica de que as plantadeiras depositarão as sementes no solo de acordo com a melhor indicação para as diferentes áreas. Contratada como assistente, a agrônoma recebeu uma promoção no último mês de março. Agora, aos 30 anos, é consultora e planeja, além do plantio, comprar uma casa em Maringá.

Em 2022, mostra o estudo da FGV Agro, quase 14 milhões de pessoas trabalhavam na agropecuária e nas agroindústrias do país, de acordo com a média móvel dos quatro trimestres do ano. Em 2019, o contingente era de 13,6 milhões – e a expansão ocorreu, é preciso lembrar, mesmo com uma pandemia nesse intervalo.

A tendência de crescimento dos empregos no setor já havia aparecido em uma análise recente do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, que cruzou dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD). Segundo esse estudo, que utilizou metodologia diferente da que a FGV Agro adotou, o número de trabalhadores do setor é até maior: havia, no total, 18,9 milhões de profissionais no agro no ano passado, ou 2,7% a mais do que em 2021.

O fato é que as vagas com carteira assinada direcionaram o crescimento dos postos de trabalho no agronegócio brasileiro nos últimos anos. Os dados mostram que o agro tem ampliado a contratação de trabalhadores e oferecido vagas mais qualificadas, ainda que a taxa de informalidade no campo siga maior que a do conjunto da economia – e que continuem os registros de casos de trabalho análogo à escravidão, mesmo na cadeia de grandes companhias.

Mesmo com o aumento do número de vagas, a percepção entre corporações, produtores e dirigentes do agro é de que ainda falta mão de obra no campo. “As empresas crescem com mais rapidez do que a população dos municípios”, afirma Ricardo Santin, presidente da Associação de Proteína Animal (ABPA), entidade que tem BRF, Seara (JBS) e Aurora entre suas integrantes. “Quando um frigorífico abre, ele demanda muita mão de obra, e não são pou

cos os que têm de buscar gente em outros locais”. Santin diz que o “chão de fábrica” dos frigoríficos de aves e suínos emprega mais de 500 mil pessoas, mas que a indústria tem um déficit de cerca de 20 mil.

Na disputa por bons profissionais, as empresas têm de caçar também os caça-talentos. Ao circular com desenvoltura pela unidade da GDM Sementes em Cambé, no Paraná, Ricardo Fazanaro, de 34 anos, dá a impressão de ser um colaborador de longa data, ainda que tenha chegado à companhia – e ao agronegócio – apenas em 2022.

Fazanaro mora em Campinas, no interior de São Paulo, mas uma de suas atribuições é visitar rotineiramente os centros de pesquisa da companhia argentina distribuídos pelo Brasil e por outros países para identificar as necessidades de mão de obra. E elas têm se multiplicado. Só em seu site a GDM anunciava, no fim de abril, mais de 50 vagas para funções que iam de estágio nas pesquisas de sementes de soja a supervisão comercial.

E a demanda por trabalhadores vai crescer nos próximos anos: líder no mercado de sementes de soja no país, a GDM estreou recentemente no segmento do milho, que tem recebido investimentos em estrutura – um deles, uma unidade de pesquisa de genética do cereal em Petrolina (PE) – e em contratação de pessoas. “O setor é atrativo, oferece bons salários e benefícios e tem mais estabilidade nos momentos em que a economia oscila”, afirma ele.

Os benefícios e incentivos, muitas vezes sinônimo de trabalho com carteira assinada, são parte da estratégia na disputa por bons profissionais. Mas, a depender do local onde estão os empregadores e da vaga ser preenchida, a briga pode ser renhida. “Hoje, as empresas têm muita dificuldade para encontrar operador de máquina, por exemplo. Isso cria um ‘rouba-rouba’ de funcionários entre elas”, diz Alexandre Figliolino, sócio da MB Agro.

A informalidade ainda é alta no agro, ressalva Gabriel Bezerra, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados Rurais (Contar). Essa constatação enfatiza que as relações trabalhistas ainda precisam evoluir muito em diferentes segmentos do agro. Mas ela não anula o fato de que o campo também já faz com que engenheiros abram mão de aviões para pilotar drones.

SUMÁRIO

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