Revista Globo Rural

COMMODITIES

BAIXOS ESTOQUES E DEMANDA FIRME SUSTENTAM COTAÇÕES NO MUNDO E ABREM DISCUSSÕES SOBRE O ATUAL CICLO DE ALTA

Por CLEYTON VILARINO

Ocrescimento da produção mundial de soja, que foi de 6,9% na safra passada e deve ser de 6,1% no ciclo atual, segundo estimativas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), não abala o otimismo no mercado futuro da commodity, que segue sustentado pela demanda firme. Na Bolsa de Chicago, os contratos da comodity que vencem em setembro acumulam valorização superior a 50% em 12 meses.

O cenário é o mesmo para outros grãos, como milho e trigo, e acompanha a escalada dos preços internacionais, que se iniciou em 2019/2020, com a chegada da pandemia da Covid-19, e desestabilizou os mercados. “A gente teve um colapso num primeiro momento, pelo nervosismo provocado pela Covid-19, mas os preços se recuperaram e continuaram em alta, principalmente no primeiro trimestre de 2021, e já estão próximos ou superiores aos observados no período pré-Covid”, observa o professor de macroeconomia do Ibmec SP, Walter Franco.

A valorização das commodities agrícolas não é um fato isolado e se repete em outras matérias-primas, como minérios e combustíveis, que também acumulam alta expressiva, pressionando os custos de produção no campo. As análises econômicas são unânimes ao indicar uma recuperação mais rápida do que o esperado das principais economias globais após o início das cam

panhas de vacinação contra o novo coronavírus, mas a rapidez com que os preços têm subido, associada aos baixos estoques mundiais, tem gerado uma discussão acalorada: estaria a economia mundial passando por um novo superciclo de alta das commodities?

O termo é usado por alguns economistas para descrever o que ocorreu entre 2007 e 2012, quando o aumento da demanda mundial elevou os preços das matérias-primas a um novo patamar. A comparação, contudo, enfrenta resistências. Para Maurício de Mauro, que também é professor do Ibmec, a pandemia trouxe novas variáveis que dificultam traçar paralelos com o ocorrido há dez anos.

“A impressão que dá é que há uma nova série de variáveis que levam os mercados a ter comportamentos divergentes a depender do grau de impacto que cada economia teve e como cada governo prioriza os gastos do seu país para fazer frente à crise”, avalia De Mauro ao lembrar que, para além da pandemia, os baixos estoques mundiais de grãos também ajudam a impulsionar os preços em Chicago.

“Se os estoques estivessem dentro de determinado equilíbrio, seria possível avaliar os fatores climáticos e os custos logísticos para fazer alguma inferência. Mas esses estoques, aparentemente, ainda estão desregulados. Existe um desbalanceamento. E isso aí torna difícil fazer uma previsão mais adequada”, aponta o economista.

“Para todos os grãos, a gente percebe que o estoque mundial está caindo, e não estamos falando de agora, mas das últimas três safras. Eles estão caindo e o mercado não está conseguindo repor”, afirma a pesquisadora associada da diretoria de estudos e políticas macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Ana Cecília Kreter, ao explicar que, para cada uma das commodities em alta, há uma explicação que justifique sua valorização.

“O que a gente percebe é que desde o ano passado existe uma tentativa de recomposição de estoques, e não só do Brasil, mas em vários países do mundo”, observa Ana Cecília. Ela lembra que, no caso de alguns produtos, como o arroz, essa movimentação envolveu sua inclusão na lista de produtos estratégicos para a segurança alimentar – fato verificado na Arábia Saudita e nos

"Quando o pessoal voltar a almoçar fora de casa, o preço das commodities vai subir outra vez"

LEONARDO TREVISAN, professor de relações internacionais da ESPM

Emirados Árabes Unidos. “A partir do momento em que você tem isso, claro que você vai criar uma nova demanda e isso vai afetar o preço dependendo de quanto cada país vai estar consumindo.”

Considerando que o processo de reabertura econômica pós-vacinação contra a Covid-19 ainda não se concluiu – e que, em alguns casos, as medidas de restrição à circulação de pessoas estão sendo retomadas, o economista e professor de relações internacionais da ESPM São Paulo Leonardo Trevisan avalia que os preços internacionais das comodities têm “mais espaço para subir do que para cair”.

“Há uma demanda reprimida que vai reestabelecer-se quando os serviços voltarem plenamente. Isso é indiscutível. Na hora em que o pessoal voltar a almoçar fora de casa, o preço das commodities vai subir outra vez”, diz Trevisan. Na avaliação dele, o desequilíbrio no mercado internacional vem se desenhando desde antes da pandemia, quando o setor aproveitou para recompor as margens perdidas ao longo de 2018 e 2019.

“Antes de fazermos qualquer julgamento sobre o ciclo das commodities, precisamos entender que 2019 foi o ano em que pela primeira vez em mais de duas décadas o comércio mundial cresceu apenas 1,5%, ante uma média de 3,5% nos dez anos anteriores. E o motivo para isso é bastante conhecido: foi a guerra comercial entre EUA e China”, explica o professor da ESPM ao avaliar que a pandemia funcionou como um “acerto de contas” do mercado.

“Se você olhar os números do FMI, no período de dezembro a maio de 2020, os preços dos alimentos caíram 7,2% e, depois, de maio de 2020 a maio de 2021, eles subiram 41,7%. A pandemia explica pouco essa subida, porque, inclusive, todo o setor de serviços parou. Então os alimentos não poderiam ter subido nessa velocidade”, avalia o economista, ao salientar que a pandemia foi apenas “a ponta do iceberg”.

“O quadro está posto com um desarranjo em que a pandemia ficou com a maior responsabilidade porque ela é o objeto visível, mas ela é só a ponta do iceberg que está para fora. Temos algo mais profundo a ser visto, que é o processo da guerra comercial e de protecionismo crescente”, pontua Trevisan.

Com a safra 2020/2021 concluída e as previsões para a safra 2021/2022 na mesa, economistas destacam que a forte alta nos preços das comodities – e o consequente impacto na inflação – pode ter efeitos sobre as taxas de juros em 2022/2023. “Essa inflação saindo, nós vamos ter uma retomada ao estilo anos 80: sobe demais, mas a conta dos juros vai chegar”, diz Trevisan.

Os juros mais altos, lembra Walter Franco, do Ibmec, têm impacto direto sobre a produção quando considerada a dependência de crédito de parte do setor agropecuário mundial. “Se você não tiver condições de pegar capital barato, ou você produz menos ou você vai vender mais caro. Tem mercado para vender mais caro? Eu não sei dizer. Mas certamente o custo de produção subirá”, completa o economista.

SUMÁRIO

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2021-09-02T07:00:00.0000000Z

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