Revista Globo Rural

FUTURO

O FATO É QUE O NEGACIONISMO TORNOU-SE ARRISCADO DEMAIS, INIBINDO AÇÕES CONCRETAS E EFICAZES PARA O PREPARO DOS NOSSOS SISTEMAS ECONÔMICOS, NATURAIS E POLÍTICOS

Maurício Antônio Lopes é engenheiro agrônomo e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)

Onovo relatório do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) tornou mais difícil a sustentação do negacionismo em relação à crise climática. Na primeira grande revisão da ciência das mudanças de clima desde 2013, os cientistas apresentaram comprovações inequívocas da influência humana sobre o aquecimento da atmosfera, dos oceanos e do solo – que tornam o clima menos estável e menos previsível.

Tais evidências emergem de análises, realizadas por cientistas voluntários e independentes, de imenso volume de estudos realizados em todos os cantos do globo. A conclusão é que não há mais dúvida de que a mudança climática é causada por nós. As concentrações atmosféricas de CO2 foram mais altas em 2019 que em qualquer momento em pelo menos 2 milhões de anos. As concentrações de metano e óxido nitroso, poderosos gases de efeito estufa, são as mais altas em 800 mil anos.

O Acordo de Paris, principal compromisso mundial sobre as alterações climáticas, estabelece como meta o aumento da temperatura até o final do século não mais do que 2 °C, e de preferência não mais do que 1,5 °C. Mas o IPCC concluiu que tanto os limites de aquecimento de 1,5 °C como os de 2 °C serão ultrapassados durante este século, caso a humanidade não seja capaz de reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa – em especial CO2, metano e óxido nitroso.

O relatório chega num momento em que a Alemanha enfrenta enchentes catastróficas e a Grécia sofre com incêndios de grandes proporções. O Brasil, que mal se recupera dos incêndios no Pantanal em 2020, enfrenta em 2021 uma severa seca, com enormes prejuízos para a agricultura e comprometimento das reservas hídricas, impactando o abastecimento de água e a geração de energia. Todos são eventos de alto risco e baixa previsibilidade destacados no relatório do IPCC.

Para países como o Brasil, que tem a maior parte do seu território no cinturão tropical do globo, onde eventos extremos tendem a ser mais comuns e severos, são muito sérias as conclusões de que enfrentaremos elevações da probabilidade e da severidade de eventos como calor intenso, enchentes, secas e ciclones tropicais. Ocorrências que podem levar a severas perdas na agricultura, com impactos na segurança alimentar nacional e mundial, considerando que somos importantes provedores de alimentos para centenas de mercados ao redor do globo.

O fato é que o negacionismo climático tornou-se arriscado demais, inibindo ações concretas e eficazes para o preparo dos nossos sistemas econômicos, naturais e políticos para lidar com os choques e consequências dos eventos climáticos extremos que certamente enfrentaremos ao longo das próximas décadas.

A agricultura e a produção de alimentos precisam receber atenção especial, considerando sua importância para o bem-estar da população e para a saúde econômica do país. Não há alternativa à conformação de uma agenda climática atenta ao imperativo de se produzir alimentos de forma sustentável, com metas factíveis de descarbonização da agricultura e de proteção à integridade de biomas sensíveis e críticos para toda a humanidade, como a Amazônia.

SUMÁRIO

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2021-09-02T07:00:00.0000000Z

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