Revista Globo Rural

Tempestade perfeita

CLIMA ADVERSO QUE CASTIGOU LAVOURAS TERÁ IMPACTO NOS PREÇOS AO CONSUMIDOR

Por ROSANGELA CAPOZOLI fotos SÉRGIO RANALLI

Bem-humorado, brincalhão e bom de prosa, o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, costuma dizer que o agronegócio é regido por três Cs, que afetam a safra brasileira permanentemente: clima, câmbio e China. Nesse ano, para piorar, a “tempestade foi perfeita”, ele diz, expressão que se emprega para indicar um evento ruim que é sobreposto por outro pior.

A tempestade perfeita se deve à combinação da seca com a friagem que prejudicou lavouras de milho de segunda safra na região Centro-Sul. O resultado desta conjunção climática foi uma quebra expressiva de 22 milhões de toneladas (27%) em relação à estimativa inicial da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que em março deste ano previa um recorde de 82,2 milhões de tonelada. Em agosto, com a colheita em andamento, a Conab revisou seus números para 60,3 milhões de toneladas, volume 14,7 milhões de toneladas (19,6%) inferior à temporada passada.

Como a estiagem e as geadas atingiram também cafezais e canaviais, além dos hortícolas, os reflexos das intempéries respingarão na próxima safra e deixarão os preços mais salgados de imediato. O abastecimento, por sua vez, poderá ser prejudicado, se a taxa cambial tocar a favor, favorecendo a exportação e reduzindo a disponibilidade de produtos nas gôndolas do varejo brasileiro.

O economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio-fundador da consultoria MB Associados, observa que a quebra de safra do miho ocorre em cenário de estoques muito apertados no mundo todo, o que irá pressionar os preços do cereal e os custos das proteína animais. “No Brasil, a situação é mais difícil porque temos uma combinação das taxa de câmbio desvalorizada e preços internacionais elevados, que levou o preço do milho ao patamar de R$ 100,00 por saca, coisa que nós não tínhamos visto, e com isso sobe a ração, que é o principal custo de suíno, frango e ovos."

Roberto Rodrigues, que coordena o Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV), concorda com Mendonça de Barros. Ele explica que o impacto será imediato na cadeia das carnes por uma questão óbvia: cerca de 70% do milho produzido é destinado à ração animal. "Com a inflação de alimentos subindo e a renda disponível nas classes mais baixas em queda, já se desenha um cenário preocupante para o consumidor brasileiro."

Os estudos da Central de Inteligência de Aves e Suínos da Embrapa, apontam que nos últimos doze meses encerrados em junho os custos de produção de frangos de corte subiram 52,3% e os dos suínos 47,53%. “A escassez do milho e sua consequente supervalorização estão pressionando a rentabilidade do setor, que tem no cereal a matéria-prima básica para indústria alimentícia e principal insumo para o segmento de aves, suínos e ovos”, afirma Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

O aumento dos custos, na avaliação de Santin, será repassado aos preços nos mercados interno e externo. “É inexorável que isso continuará, porque o milho, com preço mais alto, está chegando nos custos de produção dos frangos, suínos e ovos, que serão entregues nas gôndolas dentro de 90 dias a seis meses. Teremos um Natal com preços mais salgados, inevitavelmente”, resume.

Na outra ponta, as exportações brasileiras deslancham. No ano de Olimpiadas, o Brasil foi medalha de ouro com as vendas externas de proteínas animais, em volume e receita. Graças ao crescente apetite chinês, os embarques no primeiro semestre cresceram 5,3% para 3,7 milhões de toneladas e o faturamento aumentou 9,2% para US$ 9 bilhões, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).

A receita das exportações de carne bovina cresceu 4,2% e atingiu recorde de US$ 4 bilhões. O volume foi o segundo maior da história, apesar do recuo de 3,6% ante a máxima histórica registrada no ano passado. As

vendas externas de carne de frango aumentam 9,9% em receita para US$ 3,4 bilhões, com alta de 5,9% no volume embarcado, registrando os segundos melhores desempenhos da série. Já a carne suína teve recordes em volume (554 mil toneladas, mais 17,2%) e em receita (US$ 1,339 bilhão, mais 25,2%).

“O expressivo aumento da receita nas exportações sinaliza entre outros pontos, o repasse das fortes altas dos custos de produção que alcançam o mercado internacional, assim como no mercado doméstico”, reforça Santin. Ele explica que a retomada da atividade econômica em várias regiões do mundo tem impactado positivamente as exportações do setor de proteínas. “A menor oferta em paíde ses concorrentes, como é o caso dos EUA, tem levado o Brasil a aumentar sua participação no comércio global de carne suína e deve ser a tônica ao longo deste ano de 2021. A previsão para o próximo ano se mantém positiva para as exportações”, aposta.

Eduardo Daher, diretor executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), não descarta que o abastecimento no mercado interno seja afetado e alguns alimentos se tornem escassos, como é o caso das carnes. “O produtor dará preferência à exportação”, prevê A inflação está se agravando, diz ele, e minha aposta é que a Selic [ taxa básica de juros da economia] chegue a 8% no final do ano. “Essa é a forma de o governo tentar frear a inflação embutida nesse cenário”, ressalta.

Na avaliação de Daher, há 35 anos no mercado do agronegócio, “haverá uma perda de receita agrícola neste ano tanto por questões climáticas, quanto pela taxa cambial, por conta de um dólar que não é mais dos deuses”. “É um dólar mais racional, porque o governo tem na carteira US$ 370 bilhões. Nunca tivemos tanta reserva cambial”, conclui.

O Produto Interno Bruto (PIB) da agropecuária, mensurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que cresceu 5,7% no primeiro trimestre deste ano e ajudou a sustentar a atividade econômica, não deve se manter nestes patamares, na opinião de Daher. “Não acredito que o setor mantenha esse índice de crescimento por causa da limitação provocada pela seca e pelas geadas. As incertezas climáticas são uma grave questão no setor de agronegócio”, diz ele.

Os números preliminares da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura já sinalizam para as perdas provocadas pelo clima. O Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP), que reflete a queda renda da porteira para dentro, em março era estimado em R$ 1,135 trilhão.

Os cálculos elaborados a partir dos preços e das estimativas de produção de julho mostram uma retração de R$ 23,39 bilhões na renda do campo, para R$ 1,108 trilhão, valor abaixo de R$ 1.009 trilhão do ano passado. O maior impacto do clima adverso foi para milho, que apresenta queda no faturamento esperado de R$ 11 bilhões entre as projeções de março e de agosto. O VBP é estimado em R$ 128 bilhões.

AGRICULTURA I ABASTECIMENTO

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2021-09-02T07:00:00.0000000Z

2021-09-02T07:00:00.0000000Z

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