Revista Globo Rural

SAFRA

COMBINAÇÃO DE SECA E GEADAS PROVOCA QUEBRA RECORDE NA PRODUÇÃO DE MILHO DO PARANÁ

Por LÚCIO FLÁVIO MOURA fotos SÉRGIO RANALLI

QUEM AVISTA A PAISAGEM às margens da PR-537 – uma ligação vicinal acanhada, de pavimento honesto, que liga as cidades de Bela Vista do Paraíso e Florestópolis, na região de Londrina – pode entender melhor a desolação que tomou conta dos agricultores do norte paranaense. As plantas ressecadas e baixas do milharal, sob um céu carrancudo e o vento frio e seco do meio de agosto, traduzem mais os humores locais do que qualquer palavra.

Quando o inverno chegou e as espigas de milho começaram seu processo de amadurecimento, a seca insistente já era uma preocupação dos produtores rurais no Médio Paranapanema, que sempre apostam na alta produtividade da lavouras. Confiança que advém do histórico de clima equilibrado, do manejo tecnologicamente avançado e das terras especialmente férteis.

Mas as estiagens ao longo do desenvolvimento das lavouras de milho, o aumento da infestação de pragas e a geada forte do final de junho, seguida de outras duas na segunda quinzena de julho, transformaram a preocupação em certeza de prejuízo. Dos grandes.

Qualquer olhar mais experiente era capaz de antever o que as estimativas oficiais confirmariam semanas depois: a quebra recorde na segunda safra de milho no Paraná. Um prejuízo de R$ 11 bilhões espalhados por todas as regiões agrícolas do Estado, algo em torno de 10% de toda a receita primária anual, conforme os cálculos do Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento.

Após o desatre climático, o Deral estimou a produçao em 6,1 milhões de toneladas, volume 50% menor que o colhido no ano passado e 58% abaixo do potencial previsto no início do plantio, quando era esperada uma colheita de 14,6 milhões de toneladas.

“O cenário que estamos vivendo é inédito. Uma combinação de seca de 70 dias, calor fora de época e uma sequência de três geadas”, confirma Rodrigo Tramontina, engenheiro agrônomo e agricultor que trabalha no campo há três décadas.

Ele lidera a Assosoja, uma associação de 12 produtores que cultivam em 300 propriedades em Bela Vista do Paraíso e nos municípios vizinhos. “Arrisco dizer que nossa microrregião foi a mais afetada e onde as lavouras ficaram mais devastadas”, conta, enquanto mostra o estrago na Fazenda Matão, uma das suas nove propriedades, que somam 780 hectares.

Caminhando com facilidade entre as plantas ressequidas, que mal chegavam a 30 centímetros de altura, Tramontina lembra que o milharal naquela primeira semana de agosto deveria estar cobrindo seu corpo. Ele explica que já havia ceticismo em relação à safrinha desde o fim do verão, mas o resultado foi muitopior que o esperado.

“Por causa do atraso no ciclo da soja, o plantio já foi tardio. Em condições normais, plantamos no início de fevereiro e, desta vez, começamos a plantar quase em março. Com isso, perdemos luz, o que já comprometeria a produtividade”, diz.

Os problemas continuaram no pós-plantio. “Sete semanas de seca, todo o milharal plantado. Falha de estande, de população, a gente começou a ver que viria uma tragédia. Com 50 dias de seca, muitos milharais já estavam pendoando e não polinizavam, porque dessincronizou o pendão da espiga, um distúrbio provocado pela seca. As espigas se formaram banguelas. Com 60 dias de seca, todos os produtores daqui já tinham acionado as seguradoras”, relata.

Então, a geada não fez tanta diferença? “Tanto fez que acionamos o agravamento do seguro.” De acordo com Tramontina, a estação meteorológica automática de uma das suas propriedades, e que transmite as informações climatológicas através de um aplicativo em tempo real, a primeira geada registrou -3,2 oC; a segunda, -2,7 oC; e a terceira, -3,7 oC. “Sem a geada, provavelmente estaria colhendo 30 ou 40 sacas por hectare. Com a geada, a produtividade caiu para 15 a 20 sacas”, frisa o produtor, cuja média das últimas safrinhas era de 160 sacas por hectare.

Os contratos com as cooperativas estão sendo renegociados. “Ninguém está colocando a faca no pescoço de ninguém. A agricultura é uma cadeia”, lembra. Segundo Tramontina, a maioria dos produtores negociou a saca entre R$ 28 e R$ 45, enquanto o preço atual alcança R$ 97, o que aumenta ainda mais os prejuízos, já que uma das saídas possíveis na renegociação é pagar a diferença do cereal que não foi entregue em dinheiro, mas com os valores atualizados. Ou seja, se o produtor contratou a entrega de mil sacas, por exemplo, e só vai conseguir honrar metade desse volume, o valor da indenização para a cooperativa é equivalente a 500 sacas no preço atual.

As dores dos associados da Assosoja se multiplicam pelos três planaltos do Estado. A produção projetada de milho para o Paraná era de 14,8 milhões de toneladas e a última estimativa divulgada apontou colheita de apenas 6,1 milhões de toneladas.

Edmar Gervásio, analista do Deral, explica que o impacto da quebra de 58% da produção de milho será maior no oeste paranaense, grande produtor de suínos e aves, que terá de lidar com a escassez do cereal para alimentar os plantéis e com os preços elevados nos próximos meses.

As granjas devem passar a adquirir ração da Região Centro-Oeste ou mesmo milho importado do Paraguai e da Argentina. “Há especulações de compra até dos Estados Unidos, mesmo com os preços altos, por causa do câmbio. Isso deve encarecer toda a cadeia”, diz Gervásio.

O tombo econômico provocado pela quebra recorde preocupa ainda mais porque a seca no Paraná persiste. Nas medições feitas por Tramontina em Bela Vista do Paraíso, o volume de chuvas este ano é 38% menor do que a média dos últimos 15 anos. “Em 2020, foi 23% a menos”, completa.

“O maestro da agricultura é o clima. O agricultor sabe disso e está acostumado com as adversidades. Também há muito investimento em tecnologia para manter a produtividade, nada disso é novo. Porém, tudo tem um limite, e está na hora de pensar numa solução mais definitiva para esse problema”, afirma Tramontina, que defende urgência na implantação de programas mais agressivos para facilitar o acesso à irrigação, especialmente com linhas de crédito específicas e com juros abaixo do mercado. Ele calcula que os produtores da região que contam com pivô central têm uma produtividade 60% maior a longo prazo.

"O volume de chuvas este ano é 38% menor do que a média dos últimos 15 anos. Em 2020, foi 23% a menos"

RODRIGO TRAMONTINA, engenheiro agrônomo e agricultor

SUMÁRIO

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2021-09-02T07:00:00.0000000Z

2021-09-02T07:00:00.0000000Z

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