Revista Globo Rural

DUPLA JORNADA

DENTRO DE CASA, A PROFESSORA MARIA LEILIANE SE DIVIDE ENTRE AS TAREFAS DO MAGISTÉRIO E OS CUIDADOS COM A FAMÍLIA

Obatom ao lado do notebook é um detalhe que revela quanto a Tia Leila se preocupa com a beleza para se apresentar aos alunos nas aulas on-line. Apesar da vaidade, ela tem pavor de estar na frente da câmera.

Vasos feitos com embalagens de amaciante, pendurados na parede, enfeitam o ambiente, como fundo do home office de Maria Leiliane do Nascimento. É um escritório improvisado, montado na parte de fora da casa.

O notebook e o smartphone são novos, comprados com o suor da própria família no ano passado, para que as atividades on-line sejam um pouco melhores. A internet também sai do próprio bolso. E, mesmo com uma conectividade precária, há um receio de não estar disponível quando o aluno precisar.

“O bichinho vai achar que não quero dar retorno, mas é que o sinal oscila muito”, diz, preocupada. Tia Leila nasceu em Quixadá, estudou na mesma escola onde leciona atualmente. Fez faculdade no mesmo município e descobriu naquela terra a vocação para crianças.

Mas, por mais dedicada que seja a Tia Leila, como seus alunos carinhosamente a chamam, a mulher admite que está sobrecarregada. “Eles me perguntam muito: 'Tia, quando vamos voltar à nossa sala?'. E eu não tenho coragem de dizer que não sei”, conta.

Dentro de casa, ela sente como o distanciamento está sendo difícil para as crianças. Questionada se a filha está indo bem nos estudos por ter uma professora exclusiva em casa, Leiliane chora, faz uma pausa e diz que a filha Fernanda lhe mandou uma mensagem pelo WhatsApp pedindo ajuda para fazer a lição. “Como mãe, me vejo muito falha”, lamenta.

Tia Leila teve de explicar para a filha que estava ocupada no trabalho que lhes garante o sustento, ajudando outras crianças. Chora mais uma vez ao falar sobre o atraso na alfabetização do filho de quatro anos. “Meu filho tem muita dificuldade, inclusive no contato com os colegas, e a Fernanda nessa idade já aprendia muita coisa. A escola faz uma falta imensa, não temos como mensurar”, diz a profissional, que é formada em letras e pedagogia.

Dividida entre as obrigações de professora e as tarefas de casa, ela conta que quase chegou a quebrar o celular, sufocada por tantos avisos sonoros das mensagens do aplicativo. Percebeu que estava à beira da depressão.

Questionada sobre uma possível aprovação automática dos alunos, por causa da pendemia, Tia Leila fica pensativa. Como mãe e professora, fico entre a cruz e a espada. “É muito complicado. Se eu fosse contra a reprovação, estaria sendo contraditória com tudo que aprendi, mas a criança não tem culpa. Mantê-la no mesmo ano pode ser mais um desestímulo. Não sei se alguém tem resposta para isso.”

Ela enxuga as lágrimas, retoca o batom e diz que, de um jeito ou de outro, vale a pena seguir adiante.

"Eles me perguntam muito: 'Tia, quando vamos voltar à nossa sala?'. E eu não tenho coragem de dizer que não sei"

MARIA LEILIANE,

professora da Escola de Ensino Fundamental Zilcar de Souza Holanda

EDUCAÇÃO I SUPERMULHER

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2021-09-02T07:00:00.0000000Z

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