Revista Globo Rural

DESEJO DE ESTUDAR

A GRAVIDEZ E A PANDEMIA LEVARAM EDILANE DA SILVA ALVES A DESISTIR DA FACULDADE DE PEDAGOGIA

Amenina tímida de vestido amarelo fica com as bochechas coradas quando vê pessoas desconhecidas passarem no portão em direção à sua casa. É Sarah Lorrany, de 7 anos, filha de Edilane da Silva Alves, que também se mostra curiosa para saber qual era a finalidade da visita inesperada.

Quando fica sabendo que se trata de uma reportagem sobre ensino no campo, ela se interessa e, durante a conversa, vai revelando seu amor pelos estudos. Diz que não só incentiva a filha a estudar, como sonha um dia se tornar professora, mas confessa que já desistiu. Não por falta de vontade, mas por não ter condições.

Ela conta que a faculdade fica longe e, nestes tempos de pandemia, a falta de conectividade aumenta ainda mais essa distância. É um abismo que se abre e Edilane, infelizmente, não consegue mais ter esperança. Com apenas 24 anos, deixou de acreditar que continuar cursando a faculdade de pedagogia é possível. Fala sobre o sonho interrompido com lágrimas nos olhos.

Edilane conseguiu cursar o primeiro ano de pedagogia numa faculdade particular em Quixadá, antes da pandemia. Estudava em casa pelo celular e nos livros. Ia até o campus da faculdade aos domingos para frequentar a biblioteca. As provas eram feitas no sábado, presencialmente. “Juntavam duas, três amigas e pagávamos a um o moço para levar a gente lá. Aí ficava o dia todo, para valer a pena”, lembra.

Na comunidade, não tem ônibus escolar gratuito para adultos, só para os alunos dos ensinos fundamental e médio. Quem mora na zona rural, a mais de 40 quilômetros de Quixadá, é obrigado a pagar do próprio bolso para ir para a escola. E, assim, ela tinha dias desgastantes por causa da estrada em más condições e do calor excessivo.

Ela conta que, ao engravidar, teve de interromper a graduação. “Era muita gastura, acordava cedo demais, levava muito tempo para chegar, aí ficávamos o dia todo para aproveitar. Quando engravidei, por conta dessa situação toda (provocada pela pandemia), fiquei com complicações e tive de parar.”

Edilane afirma que se sente invisível e não quer a mesma vida para as filhas. Chora por abandonar o sonho de ser professora, mas fala confiante: “Estou fazendo todo o esforço, além das tarefas de casa, para ensinar o abecê a Sarah, que já está escrevendo o próprio nome. Do alfabeto, ela conhece algumas letras, mas vai pelo esforço da gente”, ela conta, enquanto organiza o caderno e o estojo vermelho da Minnie com canetas e lápis de cor.

Mãe e filha são dois passarinhos querendo voar. Pegam o material com zelo e carinho, como se fosse a coisa mais valiosa do mundo. A lição é de matemática e Sarah conta os dígitos 1, 2 e 3 desenhados na página e, então, vai ligando os pontos até o número 3. É tão delicado ver ali a vida se descobrindo. E a mãe gosta de ajudar: é nítido que sua vocação é ser professora.

EDUCAÇÃO I SONHO ADIADO

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2021-09-02T07:00:00.0000000Z

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