Revista Globo Rural

APICULTURA

ELAS GARANTEM RENDA, SAÚDE, MAIOR PRODUTIVIDADE DAS LAVOURAS – INCLUSIVE DA SOJA – E PODEM FAZER MUITO MAIS PELOS HUMANOS

por WILHAN SANTIN

OTRIGO JÁ FOI COLHIDO e a soja está sendo plantada ao redor de uma área de 5 hectares de mata na Fazenda Bimini, em Rolândia, no norte do Paraná. Uma trilha discreta leva ao interior da pequena floresta, que foi pastagem no passado e agora ganha biodiversidade a cada dia.

Daniel Steidle, de 59 anos, um dos proprietários da Bimini, depois de providenciar carona em carretão puxado por trator para chegarmos ao local, recomenda à nossa equipe: “Sigam os astronautas”. Ele se refere aos amigos Francisco Zagabria e Paulo Melero, ambos com 60 anos de idade, que vestem roupas de apicultores e estão prontos para fazer uma visita de inspeção às 30 caixas, cada uma com aproximadamente 50 mil abelhas africanizadas, que eles mantêm por ali.

Ao acompanhá-los, não deixamos a atmosfera terrestre, mas entramos em um mundo amplo, o das abelhas. Elas batem as asas em torno de 180 vezes por segundo e chegam a uma velocidade de 25 quilômetros por hora, podendo voar a até 4 quilômetros da colmeia para visitar entre 50 e 1.000 flores em um único dia, conforme mostram dados compilados pela Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A.).

As abelhas africanizadas são da espécie Apis mellifera, cruzamento de abelhas europeias com africanas, que se espalharam pelo Brasil e produzem mel em boa quantidade e qualidade, mas com o inconveniente de possuírem ferrões, que elas usam para se defender. Daí a necessidade de roupas protetoras, que lembram a dos astronautas.

Enquanto Francisco utiliza o fumigador para produzir fumaça, induzindo as abelhas a identificarem um incêndio, fazendo com que encham o abdome de mel para uma possível fuga, a ponto de pressionar uma válvula responsável pela ferroada, diminuindo os riscos de conseguirem cravar o ferrão na pele de alguém, Paulo abre as caixas para verificar como vai a produção.

Quando terminam a inspeção nas colmeias, os produtores contam que tratam a atividade como uma missão. Questionado quanto ao fato de ter o sobrenome Melero, algo curioso para alguém que trabalha com mel, Paulo sorri, enquanto Francisco se apressa em dizer que não pode ser apenas uma coincidência.

Quem começou com a atividade foi Alcides Melero, pai de Paulo. Ao morrer em 2021, aos 86 anos, deixou para o filho e o amigo Francisco a missão de continuarem com a apicultura, o que eles fazem com dedicação, produzindo entre 20 e 50 quilos de mel por enxame a cada ano.

Comercializam o mel no município de Rolândia, tendo como principal ponto de venda a casa de dona Elvina, de 82 anos, mãe de Paulo. Uma parte da produção, eles reservam para fazer vinho de mel, o hidromel, e outras invenções, como a cachaça que reúne frutos da palmeira juçara e o mel, todos das matas da Bimini. “Eu tenho muito orgulho de trabalhar com isso”, comenta Francisco, que é engenheiro civil e divide-se entre as obras e a apicultura.

A Bimini tem uma área total de 200 hectares, com quase 50% de matas, entre arboretos, agroflorestas, reflorestamentos e nativas. Nos 100 hectares agricultáveis, estão as lavouras convencionais de grãos. Daniel Steidle é um entusiasta da educação ambiental e se dedica a receber grupos, principalmente de crianças, para lições de convivência harmônica com a natureza.

As abelhas o ajudam a provar que a diversidade é possível. “Nosso país é tropical, com tantas possibilidades. Várias atividades agregam valor e permitem o equilíbrio”, destaca. “Já tivemos problemas, no passado, em outras áreas, por causa de manejos inadequados de agricultores, por isso trouxemos nossas abelhas para cá, onde elas estão em perfeita harmonia com a agricultura”, comenta Melero.

O produtor relata que, apesar dos desafios climáticos dos últimos anos, a apicultura é rentável para a agricultura familiar. “Foram dois anos de seca e um de chuva, tudo atribuído ao La Niña”, diz. “Mas, independentemente do clima, se o apicultor tiver uma boa quantidade de colmeias em uma região adequada, é uma renda significativa para uma pequena propriedade”, acrescenta.

O Paraná, onde Melero e Zagabria mantêm suas colmeias, é o segundo maior produtor de mel do país, atrás do Rio Grande do Sul e na frente do terceiro colocado, o Piauí. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os paranaenses registraram produção de 8,4 mil toneladas em 2021, enquanto os gaúchos contabilizaram 9,2 mil toneladas.

Entre as iniciativas de incentivo à apicultura no Estado está a inclusão da atividade no Banco do Agricul

tor Paranaense, programa da Secretaria da Agricultura que subvenciona projetos voltados à melhoria da produtividade e qualidade na criação das abelhas e no processamento do mel. Paralelamente, são desenvolvidas ações de orientação e fiscalização para a redução da deriva nas pulverizações, já que as colmeias convivem com lavouras de grandes cultivos.

Os últimos dois anos foram especialmente positivos para o mercado de mel e própolis no Brasil, analisa o tesoureiro da Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abemel), Renato Azevedo. “Parte disso foi por causa da pandemia, que, apesar de ter sido uma situação terrível, significou desenvolvimento para esse mercado, porque o mel e o própolis estão intimamente ligados ao reforço da imunidade e ao consumo em casos de gripes e resfriados”, justifica.

O aumento da demanda, que se sustenta atualmente, teve impactos positivos sobre o preço. No final de 2019, o "mel no campo" (como é chamado o mel que está colhido com o produtor rural) era comercializado na faixa de R$ 7 o quilo ao entreposto, que é quem compra, industrializa e vende o produto embalado. Hoje, o valor gira em torno de R$ 16 o quilo, em média, no Brasil.

No Piauí, antes da pandemia, o preço chegou a R$ 4,20 o quilo, recorda a apicultora Teresa Raquel Bastos, proprietária da Bee Mel. Hoje, alguns tipos de mel são comercializados a até R$ 18 o quilo no Estado.

“Temos valor agregado quando é feita a venda diretamente ao consumidor e também quando conseguimos emitir o certificado de produção orgânica, processo que é facilitado pela atuação das cooperativas, já que a certificação custa entre R$ 5 mil e R$ 10 mil por ano”, descreve Teresa.

Considerando uma produtividade de 20 quilos por colmeia ao ano, comercializada ao entreposto pelo valor médio de R$ 16 o quilo, a receita bruta de um apicultor com dez colmeias totaliza R$ 3.200 ao ano.

A rentabilidade, hoje considerada um atrativo para o crescimento da atividade no país, precisa considerar os custos com o valor dos combustíveis. “Os apicultores no Brasil trabalham bastante com a apicultura migratória, ou seja, levam as colmeias de região a região, buscando as floradas. Outro aspecto que pode influenciar bastante na formação do custo é a perda. A depender de condições climáticas ou pragas, o apicultor corre o risco de perder sua produção e, nesse ponto, o uso incorreto de defensivos é um dos grandes vilões”, completa Renato Azevedo.

Para produzir mel, as abelhas sociais fazem um trabalho de equipe. E para cada quilo de mel produzido terão visitado em torno de 4 milhões de flores. Assim, prestam à humanidade o serviço da polinização, levando os grãos de pólen, que são os gametas masculinos que ficam nas anteras das flores, para o estigma, que são parte do aparelho reprodutor feminino, fecundando os óvulos, que geram frutos.

Algumas plantas são extremamente dependentes da polinização. “Podemos dizer que seria inviável termos maçãs, melões, kiwis e pêssegos, por exemplo, sem as abelhas. Café, morango e tomate, apesar de não dependerem tanto delas, ganham muito em produtividade quando recebem as visitas das abelhas. E o mesmo poderíamos dizer de tantos outros frutos”, destaca o biólogo Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente.

“Podemos dizer que seria inviável termos maçãs, melões, kiwis e pêssegos, por exemplo, sem as visitas das abelhas”

CRISTIANO MENEZES, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente Ambientex

MAIORES PRODUTORES

Os dados do IBGE mostram que o Rio Grande do Sul é o Estado campeão na produção de mel, com 9,2 mil toneladas retiradas das colmeias em 2021. Entre os municípios, o primeiro lugar no ranking ficou com Arapoti, no Paraná, que produziu 925,6 toneladas. Edemilson Aparecido Chaves, de 54 anos, é um dos arapotienses que se dedicam à apicultura. Junto dos filhos Eric, de 30, José Victor, de 26, e Vinícius, de 20, mantêm 700 colmeias em caixas distribuídas em áreas de matas nativas e de reflorestamento de eucaliptos de uma indústria de produtos florestais. A produção da família chega a 30 toneladas de mel por ano, das quais 90% são exportadas.

Um dos diretores da Arapomel, cooperativa que reúne 45 produtores do município, ele conta que o trabalho exige dedicação para alcançar boa produtividade. Na época de floradas dos laranjais do Estado de São Paulo, muitos produtores de Arapoti rodam centenas de quilômetros levando caixas de abelhas para municípios da região de Avaré. O próprio Edemilson levou 150 caixas com 50 mil abelhas em cada uma nos últimos meses.

“O mel que produzimos tem qualidade superior, com muitos nutrientes, por isso é tão apreciado no exterior. Nós, de Arapoti, precisamos de mais união para nos fortalecermos. No cenário nacional, também há muito por se fazer para que o apicultor seja valorizado”, enfatiza. “Quando levamos as abelhas para os laranjais, muitos citricultores não querem nem conversar com a gente. Temos de arrendar áreas vizinhas deles para instalar as nossas caixas e as nossas abelhas prestarem o serviço de polinização, fazendo com que produzam muito mais laranjas sem pagar nada por isso”, exemplifica Edemilson.

Sem o necessário diálogo, acontece de os insetos serem atingidos por pulverizações. Outros problemas que atrapalham os apicultores são os furtos de colmeias e as adulterações clandestinas no produto. “Meus filhos e eu sobrevivemos da atividade apícola e do comércio de produtos das abelhas. Temos o maior prazer em apoiar os demais produtores para que prosperem na atividade”, afirma.

O produtor conta que os valores pagos pelo mercado dependem do tipo de mel. Os monoflorais são mais valorizados em comparação aos silvestres, extraídos a partir de diferentes variedades de flores. Assim como o mel orgânico, que também tem preço diferenciado.

“No atacado, vendemos o quilo entre R$ 13 e R$ 20. Mas, se eu puder investir em maquinários para usinagem e obter as certificações, posso comercializar por um valor entre R$ 35 e R$ 45 o quilo. O mais comum é vendermos no atacado a empresas que têm estruturas para a usinagem e comercializam no mercado interno ou externo”, detalha.

SUMÁRIO

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2022-11-01T07:00:00.0000000Z

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