Revista Globo Rural

ENTREVISTA

LÍDER RURAL CLASSIFICA COMO FAKE NEWS DIZER QUE O AGRONEGÓCIO PRECISA DESMATAR PARA CONTINUAR ALIMENTANDO O MUNDO OU PARA GERAR EMPREGOS

Por VIVIANE TAGUCHI

Pecuarista e ambientalista por vocação, Mauro Lucio Costa é protagonista de uma mudança radical na pecuária amazônica. Por seu trabalho como sindicalista, nos anos 2000, o município de Paragominas (PA) se transformou em um exemplo global de preservação ambiental. Hoje, o produtor rural dedica tempo para educar as novas gerações do agronegócio, além de conectar os pequenos pecuaristas à agenda sustentável, para gerar “riquezas mútuas”. À GLOBO RURAL, Costa fala sobre como as fake news do desmatamento contribuem com uma minoria que age ilegalmente e sobre metas ousadas, como a de lotação de oito cabeças de gado por hectare, que pretende alcançar em sua fazenda dentro de dois anos.

GLOBO RURAL_ Quando você estava à frente do Sindicato Rural de Paragominas (PA), o Projeto Pecuária Verde (2011) reduziu o desmatamento, intensificou o uso da terra e aumentou a produtividade. Mas, no geral, os produtores dizem que é impossível incrementar a atividade sem desmatar. Você diz que é fácil. O que tem nesse meio e causa esse ruído?

MAURO LUCIO COSTA_ O que existe é uma falta de vontade de fazer. Uma das lições mais valiosas que aprendi é que quem é bom em desculpa não é bom em mais nada. Isso não tem a ver só com o produtor rural, estou falando do ser humano mesmo. Quando falo sobre o trabalho que fizemos aqui (no Pará), escuto desculpas. Se o ouvinte é um grande produtor, diz "Ah, isso é coisa para pequeno produtor" se o ouvinte é um pequeno produtor, fala

"Ah, isso é coisa para grande produtor". Ou seja, é desculpa de quem não quer fazer. O caminho da sustentabilidade é aumento de produtividade e ponto, e isso implica em cuidar do solo, das pessoas e, no caso da pecuária, dos animais. É fácil e simples de entender. Desmatamento é uma questão de valorização imobiliária, não tem nada a ver com produção, mas, no fim, a culpa recai sobre quem produz.

GR_ Então, há um negócio escondido atrás de outro?

MLC_ Existe uma grande especulação de terras no Brasil, principalmente na região amazônica, e por isso as pessoas associam que, quanto mais terra, mais lucro. É daí que vem o desmatamento, essa é a origem. É fake news dizer que o agronegócio precisa desmatar para avançar, para continuar alimentando o

mundo ou para gerar empregos. Para produzir alimentos, não precisamos de mais terras, precisamos aumentar a produtividade: cuidar da fertilidade do solo, dar conhecimento para as pessoas que trabalham conosco e proporcionar bem-estar para os animais. É essa a engrenagem que funciona de verdade e gera rentabilidade. Não há desculpa para o desmatamento. Isso é especulação imobiliária, e são duas coisas distintas. Pecuaristas que querem produzir de forma sustentável investem em produtividade, não em mais terras.

GR_ E como as fake news podem ser combatidas em um momento em que o país foi tomado por notícias distorcidas e tendenciosas?

MLC_ De um modo geral, o produtor rural brasileiro faz a coisa do jeito certo, mas tem uma minoria que não

faz. Acredito que 95% dos produtores agem corretamente, mas tem uns 5% aí que desmatam e eles mancham a imagem do setor como um todo. Só que cabe a nós, que estamos pagando essa conta, pôr a boca no trombone. Mas a gente não faz isso, a gente abaixa a cabeça, passa pano, sentimos culpa em denunciar quem faz errado. O que a gente tem de fazer é parar já de comprar produtos desses fornecedores, de gente que desmata. Tem ferramentas para saber isso. O país tem inúmeras iniciativas positivas da agroindústria e de produtores, mas nos falta comunicação, falta mostrar para o mundo o que a gente está fazendo de bom. Temos de ser mais reativos nessa comunicação, e isso não quer dizer sair falando mal dos outros, xingando. Nós, pecuaristas, temos a obrigação de parar de comprar animais vindos de áreas de desmatamento. É uma coisa bem simples e fácil de fazer para mudar a imagem do agro.

GR_ Foi por isso que o Projeto Verde ganhou fama internacional e inspira um futuro mais sustentável? MLC_

A diferença entre mim e os demais pecuaristas que fazem a coisa direitinho é que eu me expresso, só isso. Eu saí contando e mostrando para todo mundo o que estávamos fazendo aqui no Pará. Saí falando sobre produtividade, valorização das pessoas e da importância do bem-estar animal. Mas, preciso lembrar que, quando comecei a fazer isso eu sofri bullying, apanhei da mídia, mas e daí? Aí tive mais certeza que o caminho certo era continuar mostrando resultados, porque com números a gente não brinca e ninguém contesta. A minha reação era mostrar ações e números e, contra a matemática, não tem argumentos. Um dia, um cara falou que ia fazer um telefone celular em que íamos ver a outra pessoa na tela, e todo mundo duvidou e riu dele, foi taxado de louco. Hoje, o planeta inteiro usa o telefone dele. A gente tem de pensar dessa forma, inclusive na pecuária. Eu, como pecuarista, não sou melhor que ninguém, sou apenas um vendedor de um produto, então eu tenho de me comunicar com meu cliente da melhor forma para coibir desinformações sobre o meu setor, defender a minha imagem.

GR_ Mas mudar a mentalidade não é uma tarefa tão fácil, já que envolve tradição, cultura, referências...

MLC_ Tudo isso faz parte da evolução do ser humano, tudo muda e tudo se transforma, inclusive nós em primeiro lugar. A relação do ser humano com os animais e com a natureza mudou. De um lado, temos um consumidor novo, então a gente tem de ser o fornecedor novo. Não temos mais espaço para aquele pecuarista ultrapassado, que joga bezerro no chão. Agora é preciso ser empreendedor, gestor de propriedade, com controle de números, de dados, ter métricas que dão sustentação ao negócio. É isso que vai tirando os fantasmas da frente e mostrando os caminhos. Quando não tem mudanças, os fantasmas aparecem, alguém sempre é apontado como culpado do seu fracasso, as ONGs viram coisa do capeta, o governo, vilão, o lucro não vem, e aí, meu amigo, esquece, porque acabou para você.

GR_ Quem é esse consumidor novo e como um pecuarista ou produtor rural consegue se comunicar para atender às suas expectativas e se manter no jogo?

MLC_ Esse consumidor tem a questão ambiental arraigada nele. É uma tendência mundial, e não acho que isso está presente só na carne, nos alimentos. Está presente em tudo, no mundo inteiro, em todos os setores. Esse consumidor quer saber de onde vem o produto e como são feitos. Então, eu tenho de estar atento a esse novo modelo de negócios, a esse consumidor e ao que ele quer. Eu tenho de ter responsabilidade de mostrar isso para ele, isso é modernidade, é o novo normal e, como vendedor de um produto, no caso a carne, tenho de proteger a minha imagem, com processos transparentes. Fui um ferrenho defensor do CAR (Cadastro Ambiental Rural) e sou de tudo que mostra transparência nos negócios, rastreabilidade, certificações, para que esse consumidor se conecte com a gente.

GR_ Quais benefícios o brasileiro tem em relação a outros produtores de outros países?

MLC_ A biodiversidade, que é ouro. O valor agregado da biodiversidade é incalculável. Meu sonho é vender carne com biodiversidade e já estamos nesse caminho. Aqui, eu cuido de florestas. As minhas florestas es

“O valor agregado da biodiversidade é incalculável. Meu sonho é vender carne com biodiversidade e já estamos nesse caminho”

tão bem cuidadas, alimentadas, tratadas, assim como as pastagens, porque isso tudo agrega valor à carne. E não tem outro pecuarista no mundo que vai conseguir fazer isso a não ser o brasileiro. Só a gente tem esse diferencial. Esse consumidor vai chegar ao supermercado, escanear o QR Code do alimento, vai ver a fazenda onde é produzido aquele alimento, verá florestas, harmonia, energia, e vai se sentir seguro em consumir um alimento que foi produzido em meio à biodiversidade.

GR_ Qual é o perfil do pecuarista que pode engrossar a lista da produção brasileira sem desmatamento?

MLC_ Acredito em dois grupos que vão fortalecer o nosso setor, os jovens e os pequenos produtores. Os jovens já têm essa consciência ambiental e são diferentes, eles só precisam de conhecimento. Os pequenos produtores são a grande saída para o agronegócio. Essas famílias, que hoje vivem com auxílio, têm potencial para se tornarem empreendedores. Nós temos de trocar o assistencialismo pela assistência técnica e dar a eles a chance de ganhar R$ 4 mil por hectare por ano, sair da renda de R$ 600 do auxílio para uma renda de R$ 16 mil. É possível. Essas pessoas podem se tornar empreendedores rurais se focarem na produtividade. Ele passa a ser fornecedor de outros pecuaristas, da agroindústria, que, por sua vez vai, gerar mais emprego, mais exportações, mais riqueza. É isso que devemos fazer, um movimento em que todo mundo ajuda todo mundo, um puxa o outro, é uma riqueza mútua.

GR_ Os grandes e médios produtores (no caso do Pará, estes possuem, em média, propriedades de 10 mil hectares e 5 mil hectares, respectivamente) não querem saber de sustentabilidade?

MLC_ Nem todos. Meu pai dizia: queimar vela com defunto ruim não adianta! É muita energia gasta com quem tem resistência a mudanças, por isso acredito nos jovens e nos pequenos produtores rurais. Esses acomodados ganham com a valorização da terra e gastam o tempo no WhatsApp, reclamando do governo ou pedindo voto.

GR_ Na sua propriedade, a produtividade do rebanho é cerca de dez vezes a média brasileira. É possível que esses números sejam mais altos?

MLC_ Como gestor e empreendedor, estamos o tempo todo planejando, testando áreas e experimentando antes de apostar todas as fichas em um sistema só. Atualmente, temos 2.300 cabeças de gado, 880 hectares de área produtiva, com 370 hectares de agricultura e os outros 520 hectares de pecuária. Isso quer dizer que nossa lotação, neste ano, é de 4,4 cabeças por hectare. Mas já temos planos para, em 2023, diminuir a área da pecuária para 300 hectares, e com isso a lotação será, em média, de 7,6 cabeças por hectare, mas acredito que 2023 ainda será um ano desafiador para a pecuária. Por isso, nossa meta mais ousada é, em 2024 e 2025, alcançarmos oito cabeças por hectare. É um desafio, mas dá para fazer (de acordo com o censo do IBGE, em média, no Brasil, a lotação é de 0,97 cabeça por hectare).

SUMÁRIO

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